Varejo envia ofícios a Correios e Senacon, e aumenta pressão sobre governo e plataformas

Varejo envia ofícios a Correios e Senacon, e aumenta pressão sobre governo e plataformas

Confira matéria do jornal Valor Econômico sobre a nota emitida pelo IDV sobre possíveis demissões e fechamento de lojas no varejo em razão da Portaria MF nº 612/2023, que reduz a alíquota do Imposto de Importação para zero por cento a partir de 1º de agosto para as plataformas internacionais.

O Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) disse que a decisão do governo de isentar as plataformas estrangeiras do imposto de importação (em envios acima de US$ 50) causa um “estranhamento”, já que o governo não deveria abrir mão de receita neste momento de busca de novas fontes de recursos para equilíbrio fiscal. E afirma que está acionando a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, e os Correios e, se necessário, acionará outras entidades para exigir que “todas as obrigações de um processo de importação sejam cumpridas”, disse em nota hoje.

As cadeias locais acreditam que, com a medida de isenção, válida a partir de 1º de agosto, fica estabelecida uma desigualdade tributária entre as companhias brasileiras e internacionais a ponto de levar ao fechamento de lojas e demissões de trabalhadores, informou na nota o IDV.

São quase 900 mil empregos gerados pelos 71 associados do IDV, e receita bruta total de pouco mais de R$ 500 bilhões.

Ainda entendem que há uma brecha sendo explorada e que ainda pode ser ampliada, com a entrada de produtos falsificados pelos marketplaces.

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Dias atrás, o governo federal publicou portaria que isentará mercadorias importadas de até US$ 50 (quase R$ 250) do imposto de importação de 60% para as empresas que se adequarem a um novo programa de conformidade, o “Remessa Conforme”. Esse programa determina um conjunto de normas a serem seguidas — como envio de dados das remessas antecipadamente aos Correios — pelas empresas estrangeiras.

O governo diz que a ideia é usar essas informações para melhorar controles e apertar a fiscalização.

Já as plataformas defendem a isenção como forma de incentivar que elas se adequem ao programa “Remessa Conforme”.

Apoio de Lula

Segundo três fontes ouvidas pela reportagem nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a ideia da isenção, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi contra, mas Haddad saiu vencido nessa discussão, e decidiu-se atrelar a isenção dos 60% ao “Remessa Conforme”. A ideia de isenção ainda teve apoio da primeira-dama Janja e de Gleisi Hoffmann, presidente do PT, dizem as fontes.

A proposta de isenção não vinha sendo discutida em reuniões que trataram o tema do programa “Remessa” ocorridas em junho, entre o IDV, Lula e Haddad nas semanas anteriores ao anúncio.

A isenção dos 60% já vem causando impacto para o valor de mercado das empresas brasileiras. Ontem, analistas do BofA, o Bank of America, fez um corte nas ações do setor de varejo como efeito da decisão de isentar as remessas do imposto de importação. O BofA rebaixou o Mercado Livre, Magazine Luiza e Multilaser para manutenção do papel e cortou em 70% o preço-alvo da Lojas Marisa. O banco escreveu no relatório que a medida traz “riscos de competição” às varejistas locais e após a publicação ontem, as ações do setor passaram a cair de forma mais acelerada.

Dever público de agir

O Valor apurou que já foram encaminhados ontem ofícios aos Correios e para a Senacon.

Segundo fontes, aos Correios, o instituto afirma que cabe à empresa estatal a adoção de mecanismos eficazes de prevenção de importações de remessas fraudadas ou ilícitas, e lembra, inclusive, que cabe aos Correios, em parte por seu dever público e legal, de ação de fiscalização mais efetiva sobre as remessas quando há indícios de fraude fiscal.

Ainda questiona a estatal a respeito das medidas que a empresa adotará para garantir que as informações sobre as remessas seja verdadeiras.

O IDV pediu aos Correios, com base na lei de acesso à informação, de 2011, que, em até 20 dias, sejam informados dados sobre operações de importação (“cross border”) nos últimos cinco anos, como informações do país de origem, número de pacotes, entre outros.

Ainda pede informações de eventuais estudos do impacto à estatal da portaria que determina a isenção e do “Remessa Conforme”, e também cópias de contratos de logística da estatal com a empresa de transportes do Alibaba (os Correios tem um contrato com a companhia chinesa há anos) e outras empresas de logística vinculadas à Shein e Shopee.

O Valor apurou que essa pode ser uma forma de entender melhor dados do contrato com o Alibaba, e eventual existência de conflito de interesses na estatal, já que a entrada de produtos de parceiros favorece a receita anual dos Correios.

Falsificação?

Em relação à Senacon, o ofício encaminhado, também ontem, afirma que a secretaria tem papel importante para garantir proteção de consumidores que podem ser lesados pela compra de produtos piratas ou falsificados, e cabe à secretaria, segundo lei federal, solicitar instalação à Polícia Judiciária, de inquérito policial na hipótese de delitos contra consumidores.

Também pede, utilizando a lei de acesso à informação, que seja informado, ao IDV, sobre a existência de procedimentos administrativos contra as plataformas. E se há alguma atuação conjunta com a Receita Federal para impedir a entrada de remessas irregulares. Se nada foi implementado até agora, pede que sejam abertos procedimentos para investigação.

Entre os associados do IDV estão varejistas como Marisa, Renner, C&A — todos negócios afetados pela importação de vestuário pelos marketplaces — e outras como Magazine Luiza, Casas Bahia e Petz. São 71 associados, basicamente grupos líderes de mercado.

Cerca R$ 70 bilhões em tributos deixaram de ser arrecadados ao ano, com o não pagamento de imposto de importação, segundo informação prestada em junho pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.

Manifestação

Na nota oficial do IDV hoje, o instituto diz que, com a isenção dos 60% de imposto de importação para compras acima de US$ 50, as empresas estrangeiras passam a ser tributadas apenas pelo ICMS, de 17%, enquanto as varejistas brasileiras continuarão sujeitas a uma carga fiscal de varia de 80% a 130% desde a cadeia produtiva até a distribuição.

A tributação de 17% às plataformas não considera produção no exterior e impostos no processo de distribuição pelos transportadores logísticos no país.

Segundo o IDV, “a situação criada pelo governo federal com a publicação da portaria que definiu a isenção é extremamente grave, uma vez que reduz a alíquota do Imposto de Importação para zero por cento a partir de 1º de agosto”.

“Essa medida está causando preocupação no setor, que se prepara para uma onda de demissões e fechamentos de lojas, penalizando as empresas nacionais, de todos os portes, que geram empregos formais e pagam seus impostos”, disse. “É inaceitável que o governo incentive a não conformidade do pagamento de impostos e puna as empresas que cumprem suas obrigações fiscais. Isso acaba incentivando o fechamento de empresas e a criação de empregos em outros países”.

Ainda segundo a nota, “é essencial que a indústria e o comércio brasileiros sejam tratados com igualdade, de forma que as facilidades e benefícios fiscais concedidos às plataformas digitais de vendas internacionais sejam aplicados também internamente”.

Neste momento, o IDV prepara sugestões de alíquotas de impostos intermediárias, a serem apresentadas ao ministério da Fazenda, segundo o acordado em reunião dias atrás entre o ministro Fernando Haddad e o IDV.

O IDV pede que, caso o governo decida por manter a tributação federal zerada sobre as importações realizadas por meio de encomendas internacionais, será preciso aplicar a redução da incidência tributária no comércio nacional para o mesmo patamar, “ou seja, zero”, diz no comunicado.

“Não mediremos esforços na defesa da igualdade concorrencial, do emprego e do recolhimento de impostos, o que, estranhamente, o governo deveria estar fazendo, e não abrindo mão de receita. Estima-se que o que deixou de ser recolhido aos cofres brasileiros nos últimos cinco anos gire em torno de R$ 137,7 bilhões”, disse.

Adriana Mattos, Valor, 11/7/2023
Foto: Karolina Grabowska / Pexels