‘Por que Josué e Fiesp se calam sobre isenção de importado até US$ 50?’
O empresário Sergio Zimerman, conselheiro do IDV e fundador das lojas Petz, avalia que falta apoio da indústria —especialmente do presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva— ao esforço do varejo para tentar combater a isenção de Imposto de Importação oferecida pelo Brasil nas vendas de até US$ 50 dos sites estrangeiros, o chamado cross-border.
O tema, segundo ele, tem potencial destruidor para a indústria e o varejo brasileiros e deveria, portanto, unir os dois setores.
Zimerman, que é um dos membros da comissão de assuntos econômicos do conselhão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), levou ao presidente a preocupação das empresas brasileiras com o cross-border.
Em evento em Brasília, no dia 12 de dezembro, ele deu a Lula uma estimativa de que 500 mil empregos serão perdidos no comércio em dois anos, se a medida não for revertida.
“Por que as indústrias, que deveriam estar sendo representadas, não estão sendo? Eu adoraria saber a resposta. São inegáveis os laços que unem o Josué ao presidente Lula. Por que não são usados esses laços para resolver um tema que está destruindo a indústria?”, questiona o empresário.
Em sua fala no evento do conselhão, que precedeu o discurso de Lula, o sr. abordou a isenção das importações até US$ 50. Qual foi a sua impressão da receptividade dele?
Só consigo ter uma impressão pelo gestual do olhar e da atenção dele. Não consigo dizer se eu falei algo que era novo para ele, se aquilo gera alguma reflexão que possa contribuir para a solução ou se ele já escutou isso mil vezes.
Os próximos dias ou semanas devem ajudar a responder. Ele não tocou em nada do que foi dito, não só por mim, mas pelas dez pessoas que me precederam. Disse que recebeu os materiais escritos e iria estudar.
Qual é hoje o grau de preocupação do varejo com a isenção nos US$ 50?
Levada ao limite, essa política significaria o fim do comércio e do emprego no comércio tradicional no Brasil.
Imagine que as empresas brasileiras, ao verem que isso não será resolvido, tomem a decisão de não mais continuar pagando 100% de impostos. Então, instalam uma base na Argentina, Paraguai, Uruguai, China e passam a atender os consumidores a partir destes países.
Montam centros de distribuição em outro país, se beneficiam da lei que diz que só precisam pagar 17% de ICMS e vão vender muito mais barato para os consumidores.
Para o consumidor é legal, paga mais barato. Mas, como estrutura de país, prejudica geração de imposto, emprego, investimento em novas lojas e indústrias.
O Brasil está praticando tratamento favorecido para plataforma estrangeira. O mundo nunca praticou isso. O que o mundo pratica é isonomia. Só que está tendo uma discussão ao redor do mundo de uma outra etapa, que é a proteção ao varejo e à indústria de determinados países.
Por que está acontecendo isso? Num primeiro movimento, a China e outros países da região levaram a produção e os varejistas dos principais mercados globais a produzirem lá.
O movimento do cross-border acaba com a intermediação do varejo. Pega essa fábrica da China para vender direto ao consumidor por uma plataforma que tem incentivos do governo chinês.
Cross-border é tema de Estado para o governo chinês. É uma forma de ter domínio econômico mundial, e é plano de governo deles fazer com que as indústrias chinesas atendam consumidores do mundo todo sem precisar de intermediário.
Alguns países estão discutindo proteção. Nós não estamos pedindo proteção. Apenas isonomia. Quem está fora deveria ser tributado do mesmo jeito que a gente.
As redes sociais interferiram nesse debate?
Tem um clamor direcionado. As redes sociais estão lotadas de influencers que são financiados, muitos deles, justamente pelas plataformas. Eles recebem incentivo para arregimentar consumidores.
[O argumento de] Quem defende que deveria continuar desse jeito é o seguinte: “Não é justo taxar o pobre nos US$ 50 se o rico pode ter isenção em US$ 1.000 quando viaja para o exterior”.
Para ter os US$ 1.000, você precisa estar na condição de viajante, e é uma prática internacional, que varia.
Na minha concepção, o governo Bolsonaro cometeu um erro gigante de elevar essa isenção de US$ 500 para US$ 1.000. É uma renúncia tributária que favorece a empresa que opera os aeroportos e prejudica o comércio brasileiro.
O problema das compras de US$ 50 dos sites estrangeiros foi levado ao governo Bolsonaro, não?
Foi levado para o [ex-ministro] Paulo Guedes. Não é de hoje. Fazendo justiça ao governo atual, isso foi uma herança do governo anterior, que não fiscalizou, não regularizou. Era mais fácil regularizar no passado, quando o negócio era menor e causaria menos polêmica.
A gente vê na equipe econômica um esforço de querer resolver. Apoiamos a criação do Remessa Conforme [programa do governo para o cumprimento da legislação aduaneira] e o que o [Robinson] Barreirinhas, secretário da Receita, tem implantado.
A gente até entende a estratégia de ter zerado o Imposto de Importação para atrair essas plataformas para o Remessa Conforme. Ok, só que já passou do tempo de corrigir a falta de isonomia tributária.
Se isso foi estratégia para colocar as empresas no Remessa Conforme, que se corrija agora a questão de tributação. Não temos um problema de convencimento da área econômica do governo. Temos um problema político.
Em abril, quando esse tema veio à tona a primeira-dama Janja também se manifestou na internet. Ficou claro que esse era um debate de internet?
Veio a público realmente essa interferência das redes sociais. Isso foi amplamente divulgado. O quanto isso persiste sendo um problema seria leviano eu afirmar, mas naquele momento foi colocado.
Temos interlocução muito positiva com o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad, e o Barreirinhas. Temos diálogo positivo no entendimento de que a isonomia é justa. Mas não há respaldo político até o momento para fazer o que já era para ter sido feito. Daí minha fala no conselhão.
Se está ali para aconselhar o Executivo, a mensagem foi justamente a de aconselhar o presidente a que, politicamente, ele dê o sinal verde para que a área econômica faça o que eles entendem que seja certo.
Como avalia o papel do conselhão? Será ouvido?
Na próxima entrevista, eu respondo. É a pergunta que eu tenho também. Essa foi a primeira reunião de feedback. Ficamos desde março nas reuniões temáticas de bastidor montando material para levar à plenária do dia 12. O que será feito com as sugestões ali apresentadas o tempo dirá.
Uma das pessoas mais próximas de Lula no empresariado é o Josué, dono da Coteminas e presidente da Fiesp. Como foi o debate com a indústria? Esse é um tema que une todos?
O problema do cross-border destrói o varejo e a indústria nacional. Com política de isenção de impostos para quem está do lado de fora, a indústria perde o sentido de fabricar aqui.
O presidente da Fiesp tem representado a indústria nesse combate ao cross-border? Não lembro de ter visto matérias da Fiesp se rebelando contra o cross-border.
O varejo tem feito uma defesa ostensiva por meio de inúmeras entidades sobre o cross-border. E a indústria? Por que está calada? Por que o presidente da Fiesp está calado em relação a isso?
Ele teve a parceria [da Coteminas] com a varejista asiática Shein, não?
Não quero afirmar isso. Cada um tire a conclusão. É leviano afirmar que ele está quieto porque teve a parceria. Por que a Fiesp está calada diante do tema do cross-border? Por que as indústrias, que deveriam estar sendo representadas, não estão sendo? Eu adoraria saber a resposta.
São inegáveis os laços que unem o Josué ao presidente Lula. Por que não são usados esses laços para resolver um tema que está destruindo a indústria?
Alguém do varejo perguntou à Fiesp e tentou unir esforços nesse tema?
Eu perguntei ao Josué sobre isso no IDV [entidade que reúne gigantes do varejo no Brasil]. Ele falou que está ao lado do varejo. Talvez seja desconhecimento meu, mas eu não vejo posicionamentos públicos da Fiesp se indignando contra o tema do cross-border como deveria.
Joana Cunha
Entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, 12/1/2024