Varejo e shoppings têm semana decisiva

Varejo e shoppings têm semana decisiva Varejo e shoppings têm semana decisiva

Entidades do varejo entregam ao governo federal e aos Estados, entre hoje e amanhã, sugestões de medidas de apoio às empresas para mitigar o impacto da crise gerada pela epidemia de coronavírus. Paralelamente, os shoppings devem finalizar nesta semana um pacote com recomendações para tentar reduzir perdas de pequenos comerciantes. O Valor apurou que uma das ações pode incluir zerar o aluguel de lojistas nos meses em que os shoppings estiverem fechados e cobrar o de março proporcionalmente.

Grandes varejistas, shoppings e lojistas menores entendem que precisam chegar a um acordo que sirva como um balizador para as empresas e impeça uma quebradeira dos negócios. Mas o clima, na última semana, foi mais de divergências do que de consensos.

Marcelo Silva, do IDV: lojista pequeno está em situação mais crítica — Foto: Silvia Zamboni/Valor

O Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), maior entidade empresarial do setor, reprovou a postura da Abrasce, associação dos shoppings, que vinha informando que as negociações teriam que ser individuais – de cada lojista com seu empreendimento. A Abrasce, por sua vez, acabou criticando indiretamente a Ablos, entidade dos lojistas satélites, que fez projeções de demissão em massa.

A busca por entendimento ocorre em meio a perspectivas de prejuízos bilionários. A Abrasce estima que o setor perderá R$ 15 bilhões por mês em vendas, se todos os quase 580 empreendimentos no país ficarem fechados. A projeção considera uma venda média anual dos shoppings de R$ 180 bilhões. O prejuízo é bem maior se forem consideradas as lojas de rua. Segundo dados da FecomercioSP, só no Estado de São Paulo o varejo fatura mensalmente R$ 38,5 bilhões – excluindo supermercados e farmácias, que ficaram de fora das restrições dos governos para conter o avanço do coronavírus.

“Estamos considerando que alguns Estados ficarão mais de 30 dias e outros menos, segundo decreto de cada um. Mas mesmo os que ficam cerca de 15 dias podem ampliar o prazo e seguir aquilo que São Paulo fez [fechamento até 30 de abril]”, disse Glauco Humai, presidente da Abrasce. Ele concorda que houve “muita confusão” no início dos anúncios, com cada Estado definindo seus prazos de interrupção temporária. “Recebemos um tsunami, com coisas mudando de um dia para o outro.”

A Abrasce calcula que 78% dos shoppings do país já estavam fechados neste fim de semana, mas a taxa deve chegar a 100% nesta semana, pelo aumento no risco de contágio. Até sábado, só Amazonas, Acre, Rio Grande do Norte e Amapá mantinham shoppings abertos entre 12h e 20h.

O aspecto mais sensível das discussões entre shoppings e varejistas diz respeito a mudanças nos contratos. Lojistas pagam aluguel percentual aos empreendimentos em cima da venda mensal. Mais de 80% da receita dos shoppings vem dos aluguéis. O problema é que, sem venda, não tem aluguel, nem receita.

Para dar algum norte nessa discussão, até amanhã a Abrasce publica orientações ao setor, que podem ou não ser seguidas pelas empresas de shopping. O Valor apurou que a associação pode, além de recomendar isenção do aluguel nos meses com as lojas fechadas, orientar por isenção total ou parcial do fundo de promoção.

Até o momento, a entidade vinha sendo criticada por varejistas por defender acordos individuais. “Isso põe a parte mais frágil da cadeia, que são os pequenos lojistas, em situação muito difícil”, disse Marcelo Silva, presidente do IDV. Segundo fontes, uma parte dos associados da Abrasce é contra isentar lojistas do aluguel agora.

O IDV e a Abrasce tiveram conversas na quarta-feira, mas não houve avanços sobre este item. “O que esperamos é que exista uma proposta firme deles. É preciso deixar o ‘finance’ de lado e pensar que se não houver negociação vamos todos afogar juntos”, disse Silva.

Perguntado a respeito, Humai disse que a entidade está elaborando as sugestões. “Esta é uma negociação complexa, com divergências entre as próprias empresas. Em alguns dias teremos um documento com nossas posições.”

Acabou incomodando a Abrasce a declaração de lojistas sobre o risco de milhões de demissões com a crise, apurou o Valor. Perguntado, Humai disse, sem especificar, que houve “afirmações planfetárias” e “inconsequentes” de pessoas do setor. “Os momentos de caos dão espaço para gente que gosta de criar fatos conseguir aparecer. Alguns mostram dados que não representam a realidade”, disse Humai, sem citar nomes.

Na quinta-feira, o presidente da Ablos, Tito Bessa, afirmou que o fechamento dos empreendimentos pode levar a 4 milhões de demissões no setor, entre empregos diretos e indiretos.

Paralelamente, a Abrasce criou um comitê para analisar iniciativas de apoio aos shoppings. No início da semana, vai enviar aos governos proposta com 18 medidas – desse total, seis são de alçada estadual, quatro do município e oito de âmbito federal. Entre os pedidos, estão o parcelamento da conta de energia, de dívidas trabalhistas e redução de impostos, como IPTU.

De seu lado, o IDV está recomendando às varejistas dar férias aos funcionários, conceder licença remunerada e buscar acordos de redução jornada e salário.

“Corte de pessoal não é solução, é aumentar o problema. Não faz o menor sentido demitir funcionário que, no fim das contas, é o consumidor da própria varejista. Se ele demite, quem vai comprar? Nós desencorajamos isso completamente”, afirmou Silva, do IDV. “Cortes só no pior cenário, caso a situação se complique mais”.

O IDV faz recomendações, mas as empresas decidem o que seguir. Fazem parte do instituto 70 redes como GPA, Carrefour, Via Varejo, Magazine Luiza e Riachuelo.

O IDV deve encaminhar hoje aos governos federal e estadual uma proposta de parcelamento de impostos relativos aos meses de março, abril e maio. A ideia é pagá-los no segundo semestre, de forma parcelada. “Não queremos deixar de pagar. Só queremos algum fôlego”, disse Silva.

“Uma grande maioria opera com caixa baixo, e não vai ter entrada de dinheiro. Simplesmente não tem como pagar impostos”. A intenção é obter uma resposta do governador João Doria e do Ministério da Economia nesta semana.

“É uma crise inédita para nós, algo que afeta a todos de forma ampla. O que precisamos agora é de um entendimento maior das necessidades do setor para que a gente consiga, pelo menos, chegar vivo do lado de lá do rio”. O IDV não faz projeção de demissões.

Segundo o instituto, as varejistas irão adiar investimentos para 2021, e a expectativa é que o setor não cresça neste ano ou tenha uma expansão inferior à do ano passado. Em 2019, as vendas do varejo cresceram 1,8%, versus 2,3% em 2018, segundo o IBGE. “Nossa projeção é de retração no primeiro semestre e alguma expansão na segunda metade do ano. Mas mesmo isso ainda é incerto”, disse Silva.