‘Poucos recolhem todos os impostos e alguns, nada; isso pesa para os pagadores’, diz CEO da Petz
Sergio Zimerman, fundador e CEO da Petz e membro do conselho do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), defende o combate a sonegação para ampliar a arrecadação tributária, sem aumentar imposto.
Márcia De Chiara, Estadão, 25/6/2023
Participante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, que reúne 250 membros da sociedade civil para orientar as políticas do governo, diz que o seu grupo vai se dedicar a formular propostas com foco na reforma tributária para reduzir a sonegação e colocar as empresas na mesma base de competição.
Na sua avaliação, a proposta não toca em temas importantes como imposto sobre o consumo. Além disso, com o fim da figura da substituição tributária, que é o recolhimento de impostos na indústria, a sonegação que já é alta, deve crescer. “A proposta de reforma tributária como está formulada será ruim para o País e para o varejo”, afirma.
Quanto à recente decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central em manter os juros em 13,75% ao ano, o empresário considera “um pesadelo para toda a sociedade” e que deve aumentar a quebradeira de empresas. Na sua opinião, juros altos só beneficiam os investidores. “A política do Banco Central está comprometendo o desenvolvimento da economia”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como membro do Conselhão, qual é o “conselho” que o senhor vai dar ao governo?
Houve a primeira reunião do Conselhão e agora estamos na fase de formação de grupos de trabalho sobre temas específicos. Um tema do qual eu vou participar é o da Reforma Tributária e o combate à sonegação. Entendemos que a arrecadação do governo tem de aumentar com base no aumento do número de contribuintes, sem nenhum tipo de aumento de imposto. É um trabalho bastante forte de combater a sonegação fiscal em diversos setores e encontrar fórmulas inteligentes de colocar todo mundo sobre a mesma régua.
Como assim?
Os impostos que têm aí são mais do que suficientes. O que acontece é que poucos acabam recolhendo todos os impostos e alguns não recolhem nada ou uma parte só. Isso sobrecarrega quem recolhe tudo. Queremos contribuir com sugestões para que os demais contribuintes possam recolher de maneira correta.
Como a questão tributária e a sonegação impactam a atividade do varejo?
Impactam muito. No caso dos impostos sobre as vendas, PIS, Cofins e ICMS, o varejo não paga nada. Quem paga esse imposto é a sociedade. O varejo só cobra e põe no preço: recolhe do consumidor e repassa para o governo. Esse é o primeiro aspecto para ser pensado na reforma tributária. Mostrar que os impostos sobre consumo afetam sobretudo os mais pobres. No fator sonegação, acontece o seguinte. Algumas empresas de varejo como a nossa e as demais, especialmente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), colocam no preço o imposto, recolhem do consumidor e repassam para o governo, conforme a lei. Tem outras que, às vezes, cobram o imposto do consumidor e não repassam o para o governo. Há aquelas que não cobram do consumidor o imposto e evidentemente não repassam para o governo. Ao não cobrar o imposto do consumidor, essas empresas vendem mais barato os produtos. Isso é concorrência desleal com quem está cumprindo a lei. Você não pode ter empresas que cumprem a lei, recolhem todos os impostos e outras que decidem não recolher. Nenhum país prospera com esse tipo de situação.
“Não pode ter empresas que cumprem a lei e recolhem todos os impostos e outras que decidem não recolher. Nenhum país prospera com esse tipo de situação.” — Sergio Zimerman, CEO da Petz e conselheiro do IDV
Qual é o impacto da redução da sonegação?
O impacto é extremamente significativo, porque aumenta a base de contribuintes. Com isso, haverá condições para diminuirmos a tributação sobre consumo e nos aproximarmos de países desenvolvidos, que têm um imposto menor sobre consumo em relação ao Brasil. Aqui, em média, o imposto sobre consumo é 50% do preço. Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a média é 20%. O que estamos lutando é justamente para que o Brasil tribute o consumo de uma maneira mais adequada.
A proposta de reforma tributária está levando em conta esses aspectos?
Não, muito pelo contrário. Está mantendo as alíquotas e piorando o ambiente competitivo, porque acaba com a substituição tributária.
O que é a substituição tributária?
Em alguns setores, o governo cobra o imposto direto da indústria para evitar a sonegação no varejo. E a proposta de reforma tributária acaba com essa figura, o que deve piorar o ambiente de sonegação. Por isso, temos ressalvas em relação à reforma proposta. Consideramos que ela será ruim para o País e ruim para o varejo.
O fato de a reforma estar focada na aglutinação dos impostos não é favorável?
Não. Ela junta impostos de nível federal, IPI, PIS, Cofins. Depois junta imposto estadual e municipal, criando um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) estadual. Mas as alíquotas são muito altas. Além disso, a cobrança ocorre em cada etapa. Ou seja, a arrecadação depende que o varejo recolha corretamente os impostos. Esse é um grande engano, porque o esforço tem de ser para diminuir a sonegação. E a maneira como a reforma está sendo desenhada deve aumentar a taxa de sonegação, que já é alta no Brasil.
Do ponto de vista prático, o senhor já teria alguma formulação de como poderia ser ampliada a base de arrecadação, tentando coibir a sonegação?
Dentro do grupo de trabalho vamos levantar todas as sugestões. Dentro de 90 a 120 dias, vamos construir as propostas concretas.
Nesta semana, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano. Esse é um pesadelo para os empresários do comércio e da indústria. Como o senhor avalia isso?
Não acho que seja um pesadelo para o comércio ou para a indústria. É um pesadelo para toda a sociedade. Talvez exceto para as pessoas que tenham bastante dinheiro no banco e que podem aplicar e receber essa taxa Selic. Isso acaba gerando mais concentração de riqueza. Com o atual nível de inflação, os juros reais ao ano estão entre 7% e 8% e não há incentivo para ocorrer investimentos em coisas produtivas. Quem está pagando esse juro? O mais pobre, que parcela as compras e não tem condições de pagar à vista. O comércio e a indústria também pagam o preço, pois acabam tendo um dinheiro muito caro para abrir uma loja ou ampliar a capacidade fabril. Portanto, não geram empregos e prejudicam de novo o mais pobre.
Como o varejo e a Petz vão reagir à manutenção da alta taxa de juros?
A Petz sofre relativamente pouco por causa dos juros, por não ser uma empresa endividada e por não vender a prazo. É claro que sofre indiretamente, porque vai pensar dez vezes antes de abrir lojas, fazer investimentos. Mas o quadro financeiro da Petz é bastante bom. Mas estou falando pelo varejo e pela indústria de uma maneira geral. As empresas estão endividadas. Os balanços do primeiro trimestre mostram que boa parte dos lucros está sendo deixada no sistema financeiro. É uma transferência brutal do setor produtivo para o setor financeiro, de maneira absolutamente injustificada.
A quebradeira de empresas vai aumentar?
É natural. Como eu disse, a Petz tem o privilégio de não ser uma empresa endividada. Mas outras empresas não têm a mesma sorte. Numa situação de dívida importante, na medida em que é mantido esse remédio amargo (juros altos) por muito mais tempo, vai ficando impossível. Você trabalha, trabalha, trabalha e, com o resultado, sequer consegue pagar os juros.
Em novembro último, depois das eleições, o senhor disse ao Estadão que estava com “esperanças renovadas em relação ao governo Lula em empoderar os mais pobres”. Passados seis meses, como o senhor avalia o governo?
Toda vez em que há troca de comando, a gente deseja que o novo governo tenha sucesso. A minha avaliação é que há muita coisa na política para fazer e muita coisa tem andado. Acho, especialmente, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem tido muito acerto no sentido de ouvir e saber dirigir os temas principais. O grande equívoco que existe hoje é a política do Banco Central que está comprometendo o desenvolvimento da economia.
É isso que falta para deslanchar a economia neste momento?
Não é só isso. Acho que a questão dos juros é importante. Com juros mais adequados, o empresário volta a investir, gerar empregos e a economia começa a andar. Mas isso não basta. Como eu disse, tem a questão da reforma tributária. O que preocupa é que a proposta não endereça temas importantíssimos do sistema tributário, especialmente esse imposto gigante sobre o consumo que existe. Até quando os mais pobres vão carregar essa carga tributária?
Como está o diálogo dos empresários com o governo?
Estamos tendo acesso e sendo ouvidos. Mas o ritmo das soluções às vezes frustra um pouco, porque as coisas no ambiente político andam num ritmo diferente. O que esperamos é que não só sejamos ouvidos, como as coisas caminhem no sentido da desconcentração da renda. Um varejo forte se faz com uma sociedade forte e com renda bem distribuída, o que não é o caso do Brasil. Sociedade que concentra a renda pode até ter um PIB (Produto Interno Bruto) alto, mas não é uma sociedade justa.
Como o senhor vê a participação dos empresários nas questões de governo? Eles têm de participar dessas questões?
Vejo de maneira bastante positiva. Pessoalmente, tenho convicções em não ter envolvimento com políticos, mas envolvimento com políticas. Não importa qual seja o governo. Eu estou pautado em defender política públicas. Defender a distribuição de renda e uma sociedade mais justa. Acho que defender uma sociedade mais justa tem de ser pauta de governo de esquerda ou de direita. Tinha de ser pauta de qualquer governo e também de qualquer empresário. Um país forte se faz com uma sociedade com renda melhor distribuída.
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 25/6/2023
Imagens: CEO Magazine; Tiago Queiroz/Estadão
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