‘Crise do Collor era 20% do que vivemos hoje’, diz Luiza Trajano sobre coronavírus
A presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano, afirmou nesta terça-feira (7) que o enfrentamento econômico da crise gerada pelo plano do ex-presidente Fernando Collor, que congelou recursos em 1990, representa 20% do que as empresas passam hoje no Brasil com a crise do coronavírus.
“Ninguém pensou que um dia poderíamos viver algo parecido. Me perguntaram esses dias como foi a crise do Collor. Para mim, 20% do que estou vivendo hoje”, afirmou durante evento transmitido pelos jornais O Globo e Valor Econômico.
Participaram também Mansueto Almeida, secretário do Tesouro Nacional, e a consultora econômica Zeina Latif.
Em 1990, para tentar conter a hiperinflação que chegava aos 80% ao mês, Collor confiscou parte da poupança e do saldo em conta-corrente dos brasileiros, decisão que levou a um choque econômico de difícil recuperação a alguns setores.
A recessão de 1989 a 1992 levou a uma queda de 7,7% do PIB, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV. Luiza, à época, era presidente do Magalu.
A empresária destacou as medidas iniciais da companhia para evitar demissões durante o isolamento imposto pelo agravemento da doença no país.
Dos 40 mil funcionários, cerca de 20 mil tiraram férias; os que estavam em contrato de experiência foram dispensados, mas receberam R$ 1.000 e possível garantia de retorno pós-crise.
Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza – Eduardo Anizelli/ Folhapress
A empresa também acelerou um plano de incluir pequenos varejistas em sua plataforma digital, como antecipou Frederico Trajano, presidente da companhia, em entrevista à Folha na semana passada.
“Levei 10 anos para ‘o novo chegar’ e agora mudou da noite para dia. Queríamos digitalizar quem não estava digitalizado e agora estamos tentando fazer isso em cinco dias”, afirmou, referindo-se ao programa da marca destinado a pequenas empresas.
Alguns investimentos da companhia estão congelados, segunda ela, devido ao coronavírus. Os cortes de custos tentaram proteger empregados. A empresa consegue, em parte, fazer isso porque tem 50% das suas vendas online.
“A empresa não vai mai ser a mesma, o tamanho do escritório não vai mais ser o mesmo, o sistema de tecnologia vai melhorar”, disse.
Segundo ela, é preciso deixar para trás discussões que se tornaram políticas, como o tipo de quarentena a ser adotado (o presidente Jair Bolsonaro saiu em defensa de um esquema vertical, com o comércio na ativa), e exigir mais previsibilidade sobre o período de confinamento, para que o varejo possa se preparar para o retorno.
Para ela, as medidas de apoio econômico divulgadas pelo governo federal até agora foram positivas, embora exista o desafio de levar os recursos até a ponta, nas pequenas empresas.
“São consistentes e globais para um primeiro momento”, disse. A empresária criticou o que considera burocracias, como entraves bancários e repasses sindicais. “Minha preocupação é que chegue na ponta. O Brasil é muito confuso para chegar até a ponta.”
Para Mansueto Almeida, parte dos desafios deve ser atribuída à Constituição. “Se a empresa estiver devendo na Previdência não pode receber empréstimo. A pergunta é: por que colocamos isso na Constituição?”
O varejo, representado por entidades como IDV (Instituto do Desenvolvimento do Varejo) e Abrasce, que representa os shoppings centers, já pleiteou ao Banco Central e ao Ministério da Economia mais razoabilidade nos juros e menos burocracia para acesso ao capital no contexto de confinamento.
Para a economista Zeina Latif, as ações do Executivo foram lentas e o Brasil demorou a tomar medidas de segurança, o que acarretou mais custo econômico e dificuldade para a definição de estratégias.
“Todas as nossas mazelas na crise ficam mais evidentes. A desiguladade em um país com problemas de saneamento, com grau de informalidade enorme. Tudo isso impõe desafios para a política pública”, afirmou.
O varejo, segundo ela, é um setor que traz pouca preocupação se comparado à indústria. Os vendedores de bens duráveis, que são mais caros, deverão sofrer maior impacto. Já o setor de consumo essencial, como alimentício, deve se recuperar naturalmente, na visão da consultora.
Folha de S. Paulo, 7 de abril de 2020