Quem ganha e quem perde com a isenção do imposto em compras de até US$ 50?

Quem ganha e quem perde com a isenção do imposto em compras de até US$ 50?

Entra em vigor nesta terça-feira (1) o programa Remessa Conforme que permite que produtos de até US$ 50 – que forem comercializados em marketplaces estrangeiros, como Shein, Shopee, Amazon e AliExpress – fiquem isentos da cobrança do imposto de importação, cuja alíquota é de 60%. Essa faixa de preço equivale a 96% do total das 800 mil encomendas que entram no país diariamente.

Para tanto, os e-commerces que voluntariamente aderirem às normas deverão cobrar os tributos do consumidor no momento da compra, e não mais quando a mercadoria chegar ao Brasil. Essa medida terá consequências distintas para consumidores, varejistas nacionais, Receita Federal e até para o caixa do governo. Quem ganha e quem perde com a novidade?

Para os consumidores, o programa pode significar uma redução nos preços e nos prazos de entrega, enquanto que, para o governo e a Receita Federal, pode representar uma queda no número de fraudes e de evasões fiscais. Por sua vez, a expectativa para as varejistas brasileiras é de aumento da concorrência. Além disso, estima-se uma perda potencial de arrecadação de até R$ 35 bilhões entre 2023 e 2027 (veja mais abaixo).

Na ponta do lápis vai funcionar assim: se um consumidor fizer uma compra de US$ 20 em uma plataforma que não esteja enquadrada no Remessa Conforme, terá de desembolsar 17% de ICMS e 60% de imposto de importação. Ao todo, vai gastar US$ 35,40. Já na hipótese de a transação ocorrer em um site participante do programa, o valor final ficaria em US$ 23,40, pois só haveria a incidência de ICMS. A diferença de preço nos dois cenários é de 33,9%.

Além da isenção da tarifa, os sites que obtiverem a certificação podem ganhar sinal verde na alfândega, o que permite que os pacotes sejam entregues mais rapidamente. Para tanto, as plataformas devem informar os Correios, dois dias antes da entrada da encomenda no país, uma série de dados da mercadoria e do comprador. Assim, o produto passa por uma fiscalização mais ágil.

É importante frisar que, apesar de o programa começar nesta terça-feira, os marketplaces não vão ter o selo de conformidade da Receita da noite para o dia – haverá um prazo para a análise da solicitação e de adequação dos operadores logísticos. Além disso, as próprias plataformas precisam de tempo para instaurar mecanismos de combate a falsificações e para enquadrar os vendedores nas novas regras.

Isso porque há vendedores que enviam produtos para o país sem pagar qualquer imposto, se valendo de informações fraudulentas. Nestes casos específicos, a consequência para o consumidor será o aumento dos preços das mercadorias e, para o governo, aumento da arrecadação.

O que marketplace precisa fazer para se enquadrar no programa

Para obter a certificação, a plataforma precisa exibir para o comprador, de forma explícita, na página da oferta do produto, as informações de que a mercadoria é proveniente do exterior e que será importada. Também precisa constar que o item será objeto de declaração de importação e estará sujeito à tributação federal e estadual.

Ainda será obrigatória a discriminação separada, clara e detalhada ao consumidor na hora da compra de cada item enviado, com seus respectivos valores a serem pagos. Também precisa constar o valor do frete internacional e do seguro, exceto quando ambos já estiverem incluídos no valor da mercadoria.

Além disso, tem que informar de forma explícita o valor da tarifa postal do imposto de Importação, do ICMS (de 17%) e a soma total da compra. Na prática, hoje, parte das empresas já informa esses dados, mas não necessariamente de forma tão discriminada e explícita.

Ainda para conseguir a certificação, também será obrigatório destacar, de maneira visível, a marca e nome comercial da empresa na etiqueta do remetente que acompanha a mercadoria.

A certificação deverá ser requerida, por meio do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC), em formato digital, nos moldes da Instrução Normativa número 2022, de 16 de abril de 2021. As plataformas terão que enviar formulário preenchido com requerimento de certificação no Remessa Conforme e a documentação comprobatória do atendimento aos critérios de admissibilidade.

Para ser admissível ao programa, a companhia tem que ter um representante no país, podendo ser pessoa física e jurídica e informar o Trader Identification Number (TIN) no formulário de requerimento de certificação. O TIN é um número de identificação global de operadores, como exportadores, fabricantes etc.

A certificação será revista a cada três anos. Caso a plataforma conquiste a liberação e depois seja excluída do “Remessa”, só poderá pedir nova habilitação em quatro meses.

Isenção para importado até US$ 50 custará R$ 35 bilhões

A Receita Federal estima que a isenção do imposto de importação para compras de até US$ 50 feitas em sites internacionais pode provocar uma perda potencial de arrecadação de até R$ 35 bilhões entre 2023 e 2027. Os números constam em nota técnica obtida pelo Valor após pedido feito via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Os cálculos foram feitos pelo Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros (Cetad) da Receita e mostram os valores de potencial arrecadatório que se estará abrindo mão por conta do estabelecimento da alíquota zero.

Já o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) calculou que as remessas internacionais de pequeno valor somaram de janeiro a maio deste ano R$ 20,8 bilhões, com perda de arrecadação federal da ordem de R$ 12,5 bilhões no período.

Leia mais: ‘Cross-border’ – Sem igualdade, empresas brasileiras sucumbirão

A alíquota zero para os e-commerces que vierem a aderir ao programa Remessa Conforme é o principal ponto de embate que tem de um lado o varejo e a indústria nacional e de outro os concorrentes estrangeiros. Conformou mostrou o Valor, as empresas locais foram surpreendidas com a decisão do governo e tentam fazer com que a Fazenda volte atrás, estabelecendo uma alíquota intermediária entre zero e 60%.

Nesse esforço, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga, disse que o setor pode perder 500 mil vagas de emprego caso seja mantida a isenção. Ele calcula que cheguem ao país mais de 1 milhão de pacotes por dia com valor de até US$ 50, o que daria uma perda de arrecadação de R$ 60 bilhões por ano. Já Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, afirmou que o impacto no setor será de fechamento de 2 milhões de vagas, equivalente a 10% dos empregos formais.

A indústria e o varejo concordam sobre a necessidade de um programa de conformidade. A questão é a não cobrança do imposto de importação. Atualmente, a isenção existe somente para encomendas de pessoas físicas para pessoas físicas. Para entidades e empresas nacionais, as compras em sites estrangeiros deveriam ser taxadas, mesmo as de até US$ 50, mas, na prática, isso acaba não ocorrendo devido ao grande volume de pacotes que chega diariamente – e há também empresas que driblam o pagamento do imposto de 60%.

Mercadorias de até US$ 50 equivalem a 96% do total das 800 mil encomendas diárias que entram no país — Foto: Pixabay

Matéria publicada no jornal Valor Econômico, 1/8/2023