Governo costura socorro de R$ 48 bi a empresas aéreas e de energia e a varejistas

Governo costura socorro de R$ 48 bi a empresas aéreas e de energia e a varejistas

RAHEL PATRASSO/REUTERS

O governo costura com bancos privados, fundos de investimento e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) um plano de socorro de ao menos R$ 48 bilhões a grandes empresas atingidas pela crise do coronavírus. Devem ser contempladas companhias aéreas, empresas de energia e grandes varejistas.

Pelo plano em discussão, serão oferecidos a empresas que têm ações negociadas na Bolsa instrumentos de dívidas conversíveis em ações.

Ou seja, os bancos poderiam ficar com uma fatia da companhia caso ela não tenha condições de pagar o empréstimo ao fim do prazo acordado.

As negociações para o pacote foram antecipadas pelo jornal Valor Econômico.

Somente na cadeia de energia (geradoras, transmissoras e distribuidoras), o montante necessário já é de R$ 40 bilhões, segundo representantes de cada segmento.

Quando as primeiras conversas com o BNDES começaram, há cerca de três semanas, essa necessidade era de R$ 17 bilhões.

O valor mais do que dobrou não somente com a queda no consumo, principalmente de indústrias, mas também com o aumento da inadimplência.

Já quatro companhias aéreas (Gol, Latam, Azul e Passaredo) negociam algo em torno de R$ 8 bilhões. Estimativas de bancos apontam que essas empresas podem estar queimando até R$ 100 milhões em caixa por dia.

O presidente da Azul Linhas Aéreas, John Rodgerson, cobrou do governo brasileiro a concessão de benefícios a exemplo daqueles concedidos pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

“Não podemos ter desvantagem mundialmente só porque estamos no Brasil”, disse ele durante conversa com investidores pela internet.

As empresas esperam que, com a entrada dos bancos privados nesse jogo —Bradesco, Itaú Unibanco e Santander—, seja possível destravar os empréstimos. Isso porque o BNDES insiste em uma política que penaliza as companhias, na visão delas.

No setor aéreo, por exemplo, os financiamentos seriam válidos por cinco anos, com juros de 6% ao ano, e um ano de carência. A taxa básica de juros está em 3,75% ao ano.

Se as empresas não conseguirem quitar a dívida até o término do contrato, o valor remanescente será convertido em ações e transferidas ao BNDES em pagamento.

O problema maior, no entanto, é o cálculo do valor das ações. O banco quer que o preço seja o atual.

Desde que a crise começou, há cerca de um mês, as ações das empresas brasileiras que são listadas em Bolsa (Gol e Azul) sofreram acentuada desvalorização. Os papéis das aéreas perderam praticamente 75% de seu valor.

Por isso, as empresas querem que seja usado o valor de antes da crise ou outro método de avaliação. É isso o que emperra as operações.

Nas conversas com bancos, elas afirmam que, nos EUA, onde operação similar foi realizada, o governo poderá ficar com 3% das empresas.

Aqui, esse patamar poderia ser superior a 30%, o que consideram injusto porque o valor de mercado reflete a atual paralisação do setor.

O presidente do Santander, Sérgio Rial, defende que não sejam criados mecanismos artificias de precificação.

“Qualquer tentativa de construir um artificialismo de preços futuros pode gerar dúvidas sobre como eles foram estabelecidos. O preço que existe é o de ontem, e é esse que tem que ser usado”, disse em transmissão ao vivo organizada pelo banco.

Ele ressaltou que nem todos poderão ser salvos pelos bancos e pelo poder público. “Não temos condições de ajudar todos os setores que estão precisando”, afirmou.

Já no caso das montadoras de veículos, que não têm ações negociadas na Bolsa brasileira e que são vistas como importantes para a economia por gerar empregos, o instrumento a ser usado é uma dívida comum que usaria os ativos locais como garantia.

Nas discussões, representantes do governo e dos bancos privados têm buscado uma solução combinada, que dividiria riscos entre o poder público e os bancos privados, a exemplo do programa de R$ 40 bilhões em financiamento para médias empresas pagarem salários (lançado há cerca de três semanas).

Naquele programa, o poder público ficou com 85% do risco (ao aportar R$ 34 bilhões em recursos), e os bancos privados, com 15% (ao bancarem apenas R$ 6 bilhões).

Para grandes empresas, as condições não devem ser tão vantajosas. O spread (a margem do banco) das operações deve ser menor que o cobrado em condições normais de mercado, mas não chegará a zero, como foi oferecido às pequenas e médias empresas.

As discussões não preveem um modelo fechado. Empresas com maior capacidade de endividamento poderão optar por um volume maior de empréstimo.

Para outras, o instrumento preponderante será mesmo títulos de dívidas lastreados em ações, como as debêntures conversíveis.

Não está descartado o uso de dinheiro do Tesouro nas operações, mas parte da equipe econômica faz ressalvas.

O entendimento é que, devido à restrição fiscal do país, é preciso voltar as atenções a setores primordiais para preservar emprego e socorrer somente quem foi atingido pela crise do coronavírus.

O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse que o governo vai separar na avaliação das medidas o que é um problema causado pela crise atual do que já vinha sendo experimentado em cada setor.

Embora tenha iniciado em 2016 uma estratégia de reduzir sua carteira de ações (de R$ 112 bilhões ao fim de 2019), o BNDES não terá restrições para adquirir novas participações em empresas.

O processo de enxugamento do BNDESPar, braço de participações do banco, será reiniciado após o coronavírus.

Os idealizadores da proposta defendem que, caso o modelo seja bem elaborado e a economia retomar após o fim da pandemia, as ações adquiridas agora podem se tornar investimentos rentáveis, tanto para os investidores privados quanto para o Tesouro, que recebe dividendos do BNDES.