Focus com realidade expandida

Focus com realidade expandida

“A pesquisa Focus divulgada semanalmente pelo Banco Central, a partir da visão predominante do setor financeiro, está entre as contribuições positivas do Banco Central para a maturidade do setor no Brasil”. Marcos Gouvêa de Souza, conselheiro do IDV, em artigo publicado pelo portal Mercado & Consumo

“A pesquisa Focus divulgada semanalmente pelo Banco Central, a partir da visão predominante do setor financeiro, está entre as contribuições positivas do Banco Central para a maturidade do setor no Brasil.

E é inegável que o País tem um setor financeiro dos mais modernos do mundo, que é benchmarking e referência em muitos aspectos, dentre eles a ação decisiva e visionária com respeito ao Pix.

Mas a pesquisa Focus precisa evoluir para incluir o mundo real, além do financeiro, ao menos nos aspectos em que a ação, projeção e visão do mundo real são decisivos no comportamento de alguns desses indicadores.”

Apesar de todo o rigor metodológico e da preocupação na valorização desse instrumento de gestão, o fato de ser prioritariamente apurado a partir das expectativas dos agentes financeiros traz uma deformação em sua origem, pois após sua divulgação regular são esses mesmos agentes, os mais estruturados e preparados, que tiram partido das percepções futuras do mercado.

Todos os demais representantes da economia e do mercado real tornam-se sujeitos passivos desse processo, porém, são decisivos em ações que podem impactar o comportamento futuro desses mesmos indicadores.

Como exemplo, as previsões que envolvem o comportamento de vendas e consumo de bens e serviços, compras, estoques, promoções, importações e exportações, preços praticados e muitos outros que podem ser mudados com estratégias e ações para reverter diferentes situações, positivas ou negativas.

O nível de acerto dessas previsões tem variado muito ao longo do tempo e, seguramente, muitas decisões podem ter sido equivocadas por conta desse aspecto.

Só como exemplo comparemos os dados previstos no início e no final do ano de 2023.

Tabela de indicadores (previstos X reais) divulgado pelo Banco Central

A mais dramática variação foi, sem dúvida, a estimativa do PIB, cuja previsão no início do ano instalou um comportamento ultracauteloso, para não dizer megapessimista, que foi contrariado pela lógica e o desempenho real do mercado. Seguramente, os que apostaram no pessimismo provocado pela previsão não devem ter se saído bem em muitos aspectos.

Outros indicadores também são apurados, como IGP-M, IPCA-Preços Administrados, saldo da balança comercial, investimento direto externo, dívida líquida, entre outros.

Os quatro com maior destaque e que geram maior discussão são exatamente a estimativa futura de comportamento da inflação, medida pela variação do IPCA; o crescimento do País, medido pelo PIB; o câmbio futuro, fator fundamental na questão das exportações e importações; e a taxa Selic, que seria determinada, em parte, pelo comportamento futuro de todos os outros elementos.

Na sua metodologia inicial, a pesquisa Focus consultava apenas 50 empresas e entidades ligadas ao setor financeiro, sendo posteriormente ampliada ao longo do tempo. Atualmente estão habilitadas 140 instituições e entidades financeiras, em sua maioria bancos, gestores de recursos, distribuidoras e corretoras, que não têm a obrigação de conceder as informações de forma regular.

A frequência de atualização das expectativas é verificada periodicamente e o sistema bloqueia a entrada de dados de instituições que estiverem há pelo menos seis meses sem atividade. Caso haja interesse, o bloqueado pode retomar a colaboração solicitando sua reinclusão.

Existe também o Ranking Top 5, que classifica instituições com maior índice de acerto das projeções de curto, médio e longo prazos, de forma a incentivar o aprimoramento contínuo na antecipação das estimativas.

Uma revisão do ranking ao longo do último ano mostra que existe grande variação e pouca constância das entidades que figuram entre as top 5.

É importante que a economia real esteja mais presente e de forma regular nos tópicos em que sua atuação e estimativas têm forte poder de influência no comportamento dos índices futuros, tanto quanto as entidades e empresas financeiras o fazem.

É relevante que o Banco Central avance em sua proposta de ampliar a representatividade amostral, com inclusão de referências multisetoriais que deem maior consistência e realismo para essas previsões, permitindo que o processo seja ainda mais relevante nas definições das políticas, taxas e ações do próprio Banco Central e de todos os agentes de mercado.

É um processo natural de amadurecimento e evolução, pois mesmo no tema polêmico da questão da velocidade na redução das taxas de juros o Banco Central, com sua necessária independência, existe a contribuição decisiva na maturidade da atividade financeira do Brasil.

A baixa inflação atual, inclusive em relação aos países mais desenvolvidos, deve-se em sua maior parte ao conservadorismo na administração desse elemento, que, apesar de críticas importantes, acabou por contribuir para o crescimento econômico muito acima do esperado. Talvez a história e o tempo julguem melhor erros e acertos desse processo.

Mas é preciso evoluir. Vale refletir.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.