Folga quinzenal é prevista na CLT, mas acordos e convenções coletivas preveem outras escalas
Fernanda Brigatti — Nos Dez Mandamentos (o texto bíblico, não a novela da TV Record), a ordem é “guardar os domingos”, mas no mercado de trabalho, a lei é outra: nem sempre se podem escolher os dias “guardados” ao descanso.
Previsto pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), principal compêndio regulatório das relações de trabalho, o trabalho aos domingos virou regra em shoppings, supermercados e zonas comerciais de grandes cidades, já que o dia é relevante para o consumo, embora a legislação recomende que a folga semanal coincida com esse dia.
Para as mulheres, porém, o decreto-lei de 1943 define o direito ao revezamento quinzenal: ao menos um domingo a cada duas semanas deve ser um dia de folga. Mas na prática não é bem assim.
Funcionária desenvolve plano de trabalho. Mulher conclui tarefas de trabalho e marca datas no calendário. Gerenciamento de tempo. Ilustração para modelo de página da web em design de linha plana
O direito ao revezamento quinzenal para mulheres que trabalham aos domingos é previsto na CLT – stock.adobe.com
Nos últimos anos, dezenas de ações judiciais chegaram ao Judiciário trabalhista discutindo a aplicação do artigo 386 da CLT e os possíveis conflitos com a lei 10.101/2000, que liberou o trabalho aos domingos no comércio.
Somente o Sindicato dos Comerciários de Florianópolis iniciou 42 processos contra grandes redes de varejo e supermercados, desde 2016, para cobrar o cumprimento da chamada escala 1 por 1 –um fim de semana de trabalho seguido de um fim de semana de folga.
A praxe em Santa Catarina, segundo o diretor da da Federação dos Trabalhadores no Comércio em Santa Catarina, Ivo Castanheira, é a escala 2 por 1 (uma folga a cada dois domingos trabalhados). Em alguns municípios, diz, os empregados estão sem acordo coletivo há cerca de quatro anos pois as empresas não aceitam prever o revezamento obrigatório para mulheres.
Agora, um desses casos começou a ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal e é visto por advogados como um precedente importante, apesar de não ter repercussão geral (classificação que garante a aplicação da decisão a todos os processos que discutam o assunto),
Em outubro, numa decisão monocrática (quando apenas um ministro decide), a ministra do Supremo Cármen Lúcia determinou que as lojas Riachuelo têm de respeitar a folga quinzenal de suas funcionárias, no julgamento de um recurso extraordinário apresentado pela rede.
A Riachuelo tenta reverter decisão da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST (Tribunal Superior do Trabalho), em ação iniciada pelo Sindicato dos Comerciários de São José (SC), que pede a folga para as comerciárias.
Após a decisão de Cármen Lúcia, o caso começou a ser julgado em plenário virtual, no qual o ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto da ministra. O ministro Luiz Fux pediu vista, pausando a análise do caso.
Mas a decisão monocrática de Cármen Lúcia já foi suficiente para desencadear novas ações, diz a advogada Meilliane Pinheiro Vilar Lima, do LBS Advogados. Sindicatos de comerciários do Espírito Santo também foram à Justiça do Trabalho contra oito redes, a maioria com lojas em shoppings, onde o trabalho aos domingos é mais disseminado.
No TST, outra ação do sindicato catarinense, essa contra as lojas Renner, também foi julgada favorável aos trabalhadores e deve subir também para o STF, já que houve recurso extraordinário também neste caso.
Meilliane Lima, que representou o sindicato no TST, considera que a decisão do STF poderá ser usada em quaisquer atividades com trabalho aos domingos. Para a advogada, o revezamento quinzenal não pode ser negociado em acordos e convenções coletivas por ser um direito indisponível (aqueles sobre os quais não há negociação, como o direito à vida, à liberdade, à saúde etc).
Em São Paulo, por exemplo, diversas convenções coletivas preveem que as lojas possam decidir o tipo de revezamento a ser aplicado. O acordo vigente para os anos de 2022 e 2023 firmado entre a FecomercioSP e o Sindicato dos Comerciários prevê três possibilidades: o sistema 1 por 1, o 2 por 1 (uma folga a cada dois domingos de trabalho) e o 2 por 2 (dois de trabalho seguido por dois de folga).
A FecomercioSP negocia com sindicatos de trabalhadores da capital e também de Osasco, Franco da Rocha, Cotia e Guarulhos, todos na Grande São Paulo.
O assessor jurídico da FecomercioSP, Delano Coimbra, diz acreditar que a decisão do Supremo não terá efeito sobre os acordos futuros justamente pelo dispositivo conhecido como o “negociado sobre o legislado”, ou seja, mesmo que haja lei prevendo outro tipo de regra, os sindicatos podem chegar a outros termos, desde que o resultado final não viole a Constituição.