‘A reforma tributária é mais uma oportunidade perdida’, diz CEO da Petz

‘A reforma tributária é mais uma oportunidade perdida’, diz CEO da Petz

É quase impossível conversar ao longo de uma hora com Sérgio Zimerman, CEO e fundador da Petz, sem falar de pet shop — a não ser que o assunto seja reforma tributária e isenção de imposto para plataformas de e-commerce estrangeiras. Integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (o Conselhão) de Lula para o tema-pepino de comércio cross border e do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), que reúne as principais varejistas nacionais, o empresário se tornou um dos críticos mais vocais da reforma que tramita no Congresso e do Remessa Conforme.

Em conversa com a coluna, Zimerman classifica a reforma de “oportunidade perdida” — “mais uma de um país especializado nisso” — por não passar de uma “carta de intenções” cujo desenho prático permanece incógnito e só será conhecido após aprovação de leis complementares. Para ele, nem mesmo a simplificação que serviu de cartão de visitas do texto estaria garantida, uma vez que o volume de exceções vai “recriando o tal manicômio tributário de hoje.”

— A reforma deveria mirar 20, 30 anos à frente, ser um norte para a redução da tributação sobre consumo via aumento de tributação de renda e patrimônio. Isso não é rápido, mas é preciso um primeiro passo. O que me frustra é que ela não aponta para essa direção — observa.

Desequilíbrio

A crítica do empresário embute clara insatisfação do varejo com suposto desequilíbrio setorial da reforma, que já foi aprovado no Senado e agora voltará à Câmara:

— É a reforma da indústria, da CNI (confederação do setor), que está feliz por ter ganho várias formas para reduzir sua carga. Mas a reforma retira carga de setores muito formais, como telecomunicações e petróleo, compostos apenas por gigantes que cumprem a lei e pagam impostos. Vai sobrar a conta para parte do varejo e do setor serviços que não fez o lobby? O lobby que deveria estar representado no Congresso é o dos interesses do povo mais pobre, mas ninguém está fazendo lobby para eles.

Segundo Zimerman, a preocupação de setores com maior grau de informalidade, como o varejo, é o aumento da sonegação. Para ele, se esses setores pagarem a conta das exceções concedidas a outros segmentos, o número de empresas dispostas a pagar vai diminuir — prejudicando, por sua vez, as empresas formais.

— Digamos que se coloque o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) padrão em 28%, que é muito alto, e depois se descubra que a sonegação aumentou. O governo vai fazer o que, subir a taxa para 30% para compensar sua arrecadação? No mínimo, o ponto de honra deveria ser estipular uma alíquota máxima que não possa ser ultrapassada — explica.

Segundo ele, nem sequer os parlamentares mais envolvidos na reforma sabem explicar seus mecanismos e consequências hoje.

— Muitas vezes, as respostas que recebemos no Congresso para nossas dúvidas são assustadoras. São todas respondidas na base da fé. As pessoas não estão nem fazendo conta. Essa reforma tem muita teoria, muita planilha de Excel, e pouca barriga no balcão — critica, acrescentando que a simplificação prometida não foi entregue: — Aos pouquinhos, estão recriando o manicômio tributário. Eu não enxerguei a simplificação toda que estão dizendo. Vão introduzindo regras e regras que, na fase de transição, vão tornar o regime tributário até mais complexo do que é hoje.

‘Brasil exporta consumidor e destrói emprego’

No terreno do cross border, Zimerman se diz inconformado com a isenção tributária para importações até US$ 50 no Remessa Conforme. Na visão do empresário, o governo cedeu à pressão da rede social — que “muitas vezes é manipulada” — para tomar decisões com impacto na indústria e no varejo nacional.

— Você não pode fazer a gestão de um país baseado em comentário de rede social, isso não é razoável. O comércio cross border é política de Estado na China, flagrantemente turbinada por financiamentos de longuíssimo prazo a juros baixos. É inexplicável o Brasil ter conseguindo agravar isso tudo por meio do Remessa Conforme, reduzindo o imposto a zero — resume. — O Brasil está exportando consumidores para China, gerando emprego lá, enquanto destrói empregos na indústria e no comércio aqui.

De acordo com ele, o argumento de que a isenção alivia a carga tributária sobre consumidores mais pobres é falacioso.

— Se o governo quer isentar o pobre, deixa o lojista brasileiro, que cria emprego no Brasil, vender com isenção de até R$ 250! — argumenta, sem deixar de ponderar: — Tenho grande apreço pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Ele me parece extremamente bem intencionado. Mas há uma questão politica importante, e uma hora a conta disso vai chegar.

Silêncio da Fiesp

O dono da Petz censura o que chama de silêncio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), cujo presidente, Josué Gomes, é dono da principal parceira da Shein em seu projeto de produção nacional, a Coteminas:

— Não é que eu ache que tenha havido influência política na escolha dessa parceria (com a Shein), eu tenho certeza! Não vou falar mal do Josué, que mal conheço. Mas entendo de governança. O presidente de uma entidade não pode misturar os interesses de sua companhia com a entidade. Não basta ser isento, tem que parecer isento. Só por isso, já há um problema enorme.

Fonte: O Globo