Parcelamento sem juros: entenda o debate e como uma mudança afetaria as empresas
“O risco de inadimplência é do banco, mas o dinheiro parado em compras parceladas é do varejista, que, quando precisa, vai antecipar o recebível a um custo elevado. Me parece que prazos menores acabam sendo bons para todos”.
Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, sobre o rotativo do cartão de crédito, em entrevista ao portal PEGN
Por Ana Laura Stachewski — A possibilidade de uma alteração nas regras do parcelamento sem juros no cartão de crédito virou centro de debate nos últimos dias, após ser levantada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na semana passada.
O tema surgiu em meio às discussões sobre a redução dos juros do crédito rotativo e não foi bem recebido por algumas entidades empresariais, que alertam para efeitos negativos para consumidores e estabelecimentos. Por outro lado, há quem defenda que uma mudança no modelo é necessária e pode trazer benefícios no longo prazo.
A seguir, entenda o debate sobre os juros nas compras parceladas e como uma eventual alteração pode afetar empresas, sobretudo as pequenas e médias (PMEs).
O que está por trás do debate
A discussão sobre as regras do parcelamento sem juros ganhou evidência na última quinta-feira (10), quando Campos Neto sugeriu criar “algum tipo de tarifa” para desincentivar parcelamentos longos sem juros, como modo de torná-los mais “disciplinados”.
A possibilidade surgiu com as conversas a respeito da redução dos juros rotativos. Atualmente, o tema é debatido por um grupo que envolve representantes do Ministério da Fazenda, do Banco Central e de instituições financeiras e de varejo. Na semana passada, o presidente do BC afirmou que uma solução para a questão deve ser apresentada em até 90 dias.
Após a repercussão de sua fala sobre uma eventual alteração nos parcelamentos, Campos afirmou que o objetivo não é acabar com o instrumento. Ele reconheceu sua importância para o varejo, mas disse que estão sendo discutidos diferentes recursos, em vista do problema da inadimplência. “Simplesmente limitar juros do cartão levaria bancos a retirarem cartões de circulação. Ao mesmo tempo, fim do parcelado sem juros poderia afetar o comércio”, ponderou.
Na Fazenda, o ministro Fernando Haddad disse ser contra mudar as regras do parcelamento sem juros do cartão de crédito.
Quais foram as reações
A possibilidade de restringir as compras parceladas sem juros desagradou parte do mercado. Entidades como a Associação Brasileira de Internet (Abranet), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (ABIPAG) e Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) se posicionaram contrárias à mudança.
Um dos argumentos é que a medida prejudicaria estabelecimentos e consumidores, pelo fato de o parcelamento ser uma ferramenta relevante para o consumo da população. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha em 2021, 75% dos usuários de cartão de crédito têm o costume de parcelar no cartão.
Diante das repercussões, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que discute o tema junto ao BC e ao Ministério da Fazenda, afirmou em nota que “não há qualquer pretensão de acabar com as compras parceladas no cartão de crédito”, mas defendeu a necessidade de discutir “o aprimoramento do mecanismo”, por meio de uma transição gradativa. A entidade afirma que “a inadimplência das compras parceladas em longo prazo é bem maior do que na modalidade à vista, cerca de duas vezes na média da carteira e três vezes para o público de baixa renda.”
O que está na mesa
Em meio às tratativas sobre o tema, algumas possibilidades foram levantadas como forma de desestimular os parcelamentos sem juros. Entre elas, estão condicionar o número de parcelas à categoria do produto adquirido ou até mesmo criar uma tarifa para essa modalidade de pagamento.
Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), que também participa das discussões, diz que a entidade rechaçou essas alternativas e sugeriu que seja feita uma mudança gradativa para reduzir o prazo dos parcelamentos. Ele acredita que a tendência é que as discussões caminhem para uma solução desse tipo.
“75% do varejo usa o parcelamento de até seis vezes. [O fim desse instrumento] causaria uma parada no mercado. Por outro lado, os bancos informam que, se não tiver solução e eles tiverem de parar com rotativo, podem tirar do mercado 65 milhões de cartões”, afirma, em entrevista a PEGN.
O executivo defende que uma mudança, se feita de forma gradual, seria interessante também para os estabelecimentos. “O risco [de inadimplência] é do banco, mas o dinheiro parado [em compras parceladas] é do varejista, que, quando precisa, vai antecipar o recebível a um custo elevado. Me parece que prazos menores acabam sendo bons para todos”, afirma.
Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), por outro lado, não vê motivos para regular a prática. Na sua avaliação, essa discussão é pautada por interesses “que não são nem do varejo nem do consumidor”. “O varejo está num momento em que precisa de ferramentas novas, e não de perder antigas. [A oferta] é uma decisão de cada varejista”, afirmou a PEGN.
O que dizem os especialistas
Otto Nogami, professor do curso de Economia do Insper, avalia que uma mudança na oferta de parcelamentos seria positiva para a redução da inadimplência e dos juros. Como consequência, traria benefícios econômicos. “À medida que famílias se endividam, a renda disponível para consumo diminui. Isso impacta o nível de atividade do comércio”, explica.
Esses efeitos positivos, porém, não viriam de imediato. No curto prazo, segundo ele, a tendência é que haja uma redução no consumo, sobretudo de itens supérfluos. Empresas cujo público-alvo são pessoas de baixa renda são as que devem sentir mais esses efeitos, diz o professor.
Os pequenos negócios, de modo geral, tendem a ser mais vulneráveis a mudanças dessa proporção, avalia o professor e economista da FGV-EAESP Renan Pieri. “A diferença é que o grande tem ferramentas mais sofisticadas para lidar com a dívida”, afirma. Assim como Nogami, porém, ele avalia que reduzir os parcelamentos tende a ter resultados benéficos no longo prazo.
Para que o cenário da inadimplência melhore efetivamente, os dois professores ressaltam a importância de desenvolver iniciativas voltadas à educação financeira da população. “Conforme as pessoas reorganizam sua situação financeira, voltam a consumir e o próprio nível do comércio tente a voltar a aumentar”, afirma Nogami.
Pieri também defende a criação de alternativas mais baratas de crédito para a população ou mesmo a discriminação dos juros de acordo com o público. “É fazer com que o bom pagador não tenha a mesma incidência de juros que a pessoa com maior probabilidade de inadimplência”, define.
Matéria publicada no portal Pequenas Empresas & Grande Negócios (Globo), 17/8/2023
Imagem: Pexels