O que vai definir o desempenho do varejo em 2024 – Parte 2

O que vai definir o desempenho do varejo em 2024 – Parte 2

*Por Marcos Gouvêa de Souza

“A análise de alguns dos fatores macroeconômicos que influenciarão o comportamento do consumo e varejo em 2024 foi mostrada em nosso artigo anterior. E agora a ideia é destacar reflexos desses fatores no desempenho de categorias, canais, formatos, regiões e modelos de negócios neste período.

Toda análise baseada em estimativas de comportamento médio deve ser considerada de forma cautelosa, pois as médias equalizam a realidade que em um país-continente tão diverso em tantos aspectos como o Brasil podem distorcer a necessária visão detalhada.”

A primeira e quase óbvia constatação é que o varejo de valor continuará a ter desempenho superior à média dos setores. Varejo de valor é aquele que reúne formatos, categorias e canais orientados para a proposta de mais por menos.

Seu crescimento será superior à média de outros setores, porém um pouco inferior aos períodos anteriores, quando a crise da pandemia estimulou um crescimento muito mais alto. Mas segue uma tendência histórica de aumento de sua participação no mercado como um todo.

Essa evolução acima da média era um processo que já ocorria em âmbito global, em especial nos países mais desenvolvidos e no Brasil e que envolve formatos e conceitos que atendem um consumidor mais informado, discriminante e racional em seu comportamento de compras.

Seu principal representante no Brasil é o formato atacarejo, conceito derivado dos clubes de compras no mercado internacional que teve o maior e melhor desempenho nos anos recentes. E cresceu tanto que atraiu muito mais marcas, lojas e operadores, a ponto de diluir o crescimento individual das unidades enquanto o crescimento consolidado evoluía.

E talvez já possamos começar a pensar numa segunda ou terceira geração desse formato que incorpora novas categorias e serviços, se afastando do modelo puro original.

Praticamente todas as maiores redes de supermercados acabaram por desenvolver, ou converter unidades, em especial de hipermercados, para ter seu formato de atacarejo. Pela óbvia constatação do desempenho superior de vendas.

No varejo de valor no Brasil, o que não se encontrou similar à altura do que acontece no mercado europeu ou norte-americano é o formato hard ou soft discount, sendo o que mais se aproximou, mas ainda não decolou, foi o Dia.

Cremos que a principal razão está no fato de que a informalidade, em especial nas pequenas operações de vendas de alimentos, cria uma barreira natural à conquista de uma escala que torne a opção mais interessante. E tudo indica que assim permanecerá em especial pelo que deva ser o resultado prático na área tributária da reforma recém aprovada.

Outro formato que tem se reconfigurado nos últimos tempos e mostra relevante poder de crescimento são as alternativas de conveniência ou vizinhança, que têm aumentado participação por conta de um aumento do consumo local, ou seja, tudo que é mais próximo ou consuma menos tempo para ser acessado.

A expansão da Oxxo é um claro exemplo de aproveitamento positivo dessa realidade, tanto quanto as lojas de proximidade do Pão de Açúcar ou do Carrefour.

Mas no consumo e varejo de alimentação pode-se prever a continuidade do crescimento do foodservice, que envolve toda a compra e consumo de alimentos preparados fora do lar. Ele deverá ficar acima da média do varejo de alimentos pelo que consolida da tendência de mudança de hábitos de consumo. Em especial nas cidades de médio e grande porte em todo o País.

Saúde, beleza e bem-estar

Outro segmento que tenderá a ficar acima da média, como tem ocorrido nos últimos anos, mesmo antes da pandemia, é o de saúde, beleza e bem-estar, também por uma combinação virtuosa de fatores que envolve a crescente preocupação dos consumidores com essas categorias e o aumento da oferta de formatos, marcas e operadores.

O aumento da oferta pode gerar no presente e no futuro próximo efeito similar ao do atacarejo, quando o crescimento do número de unidades dilui as vendas entre lojas e canais, mas contribui para o crescimento do todo da categoria.

Modelos de negócio

Tudo indica que os modelos de negócio que envolvem franquias e licenciamento deverão ter um ciclo de ainda maior crescimento pela combinação de grandes redes, que também usarão essas alternativas como modelo de expansão, e fornecedores e marcas, trabalhando no conceito DTC (Direto ao Consumidor), que usarão essa possibilidade para diluir riscos em sua expansão e crescimento.

Ao mesmo tempo, independentes, pequenas e até mesmo médias redes de varejo tenderão à agregação em centrais de negócios, nas suas várias alternativas, novas ou por adesão às já existentes, como forma para sobreviverem ou serem mais competitivas num cenário que será, sem dúvida mais complexo e ainda mais disputado.

E-commerce

Outro destaque na evolução de participação de canais é o e-commerce, pelo que atende na combinação de hiper conveniência com valor, ao permitir comparação direta e atual das condições e preços praticados com a facilidade de receber rápido no local de entrega. E sem considerar que ainda está sendo jogado um jogo decisivo de compra de participação de mercado pelos principais players, que estão investindo pesado para assegurar liderança.

Com isso a operação tem margens menores para os operadores e aumenta o benefício para os consumidores.
Mas precisa ser lembrado que o e-commerce é também um dos principais canais de distribuição do cross border que coloca na casa dos consumidores em todo o Brasil produtos vindos de todo o mundo com o inaceitável benefício da isenção de imposto de importação, concorrendo diretamente com a indústria e o varejo formal do País.

No âmbito do comportamento dos canais, ao lado do forte crescimento e aumento de participação do e-commerce, temos os desafios enfrentados pela venda direta que, de fato, tem sido a mais afetada pelo momento do seu ciclo de vida, no mundo e no Brasil, e o crescimento da concorrência direta do e-commerce.

Nas regiões o Nordeste vai brilhar

A combinação do crescimento dos auxílios diretos à população e mais a sustentação da importante base política do governo na região Nordeste deverá proporcionar um crescimento maior do potencial de consumo e vendas naquela região comparativamente com o restante do país.

Em especial para tudo que signifique o varejo de valor, mas também irradiando para outros segmentos e categorias pela maior expansão econômica que ocorrerá.

O maior crescimento de todo Centro-Oeste e Sul, derivado da contínua expansão do agronegócio, também deverá permanecer, ampliando a participação do potencial de consumo dessas regiões, que se sustenta de forma estrutural e natural pela evolução contínua dos investimentos privados e uso racional de recursos naturais.

Onde mora o perigo

As mais desafiadoras questões envolvem segmentos e categorias formais que devem sofrer com o previsível aumento da informalidade nos setores de alimentação, confecções, material de construção e outros, derivados do que temos previsto como consequência de uma reforma tributária que deverá aumentar a carga de impostos para quem já paga – ainda que facilitando o processo de apuração e pagamento –, mas que não contemplou antes a redução do tamanho e custo do Estado.

Ao contrário

Ao mesmo tempo que será regulamentado o que se propôs na reforma e quando serão definidas alíquotas finais, o Estado cresce e engrandece com aumento de benefícios de curto e médio prazo para os seus e para alguns segmentos escolhidos.

Como consequência será inevitável o aumento da carga para as empresas que já pagam e o nível médio de informalidade tenderá a crescer, afetando indiscriminadamente todos os setores, segmentos, categorias e canais que operam na formalidade.

E é aí que mora o perigo, pois informalidade estimula informalidade pela percepção de desigualdade competitiva.

Como destacamos no artigo anterior (trecho abaixo) é possível prever que o resultado final do ano em termos de crescimento do varejo e consumo deverá ser maior do que no momento se prevê, porém, distribuído de forma desigual entre setores, categorias, formatos, canais e modelos de negócios.

Vale muito anotar e considerar as projeções atuais para comparar posteriormente.

“Os dados oficiais do comportamento do varejo em 2023 ainda não foram divulgados, mas todos aqueles produzidos por entidades, empresas do setor de crédito e outros institutos já foram publicados e mostram que o desempenho foi baixo, com exceção de alguns setores ou segmentos, porém superior ao que foi estimado pelo mercado e instituições financeiras no início do ano passado, que era ainda pior.

Passado o Carnaval, quando o País cai na real, as atenções se concentram mais uma vez na avaliação do comportamento dos diversos setores, categorias, segmentos, formatos, canais e modelos de negócio que compõem o ecossistema de comércio e varejo do Brasil. E que logicamente apresentam desempenhos bem distintos por diversas razões.

A continuidade do crescimento maior do varejo de valor, a expansão das categorias ligadas à saúde, beleza e bem-estar, o aumento de participação do e-commerce e o maior aumento potencial da região Nordeste podem ser explicados por macro transformações que o mercado vem vivendo.

Mas fica o alerta de que os números que forem projetados tenderão, de um lado a pintar o cenário com cores menos vibrantes por conta da hiper cautela sempre presente quando se trata de projeções para o futuro. Mas outra fonte de preocupação é que a realidade poderá estar mascarada pela perspectiva do aumento da participação da informalidade no todo dos negócios do setor.”

Ao avaliarmos os elementos fundamentais determinantes do comportamento do consumo e do varejo – emprego, renda, crédito e confiança do consumidor – temos uma combinação de fatores que gera justificada cautela para as projeções do conjunto do País para 2024, ainda que, como alertado, o resultado do ano tenderá a ser melhor do que for projetado.

Explica-se.

Temos a redução marcante do desemprego pelos dados oficiais do PNAD que reduziu de 9,6% em 2022, na retomada da pandemia, para 7,8% em 2023.

Pelos critérios das pesquisas que envolvem ocupação e desocupação na PNAD do IBGE, com o aumento dos benefícios sociais e trabalho informal, assim como o crescimento do empreendedorismo individual, teremos continuidade na redução do desemprego nos próximos períodos. E em breve deveremos retornar a patamares próximos de pleno emprego, quando compararmos com os dados históricos.

Existe também uma evolução positiva da renda real do consumidor pela continuidade do crescimento econômico do País, ainda que muito abaixo de seu potencial, porém também aqui não é medida corretamente a realidade. Onde estão computados os milhares, talvez milhões, de “varejistas individuais” que estão trazendo produtos do exterior e revendendo?

Ou pelo crescente números de beneficiados pela expansão dos programas sociais e que estão trabalhando informalmente e complementando sua renda com “bicos”? Importante lembrar que o número médio de famílias beneficiárias dos programas de auxílio social em 2023 cresceu para 21,3 milhões por mês comparado com 19,2 milhões em 2022, uma evolução de 11% em apenas um ano.

Como resultado desses elementos, tenderíamos a considerar que os dados da massa salarial, que é a combinação da renda e emprego e o principal motor do consumo e do varejo, não reflete corretamente a realidade.

Sempre foi assim, mas entendemos que essa potencial distorção tornou-se ainda maior no momento presente e futuro próximo, o que contribui para que se subestime o crescimento quando são usadas as projeções desses números.

No plano do crédito temos uma perspectiva tímida de redução das taxas praticadas no financiamento ao consumo, mantendo-se em patamares muito elevados, com a justificativa dos elevados índices de endividamento das famílias e inadimplência, ainda que ambos em declínio, em boa parte exatamente pelas altas taxas praticadas. As taxas estratosféricas do rotativo dos cartões é só um indicativo dessa condição.

Outro fator determinante do comportamento dos setores de consumo, comércio e varejo é a confiança do consumidor, que tem oscilado com tendencia constante de crescimento desde janeiro de 2022, ainda que nos últimos quatro meses tenha tido quedas, incluindo agora a ocorrida em janeiro deste ano.

Com base nas médias trimestrais, os patamares atuais da confiança dos consumidores e considerados desde janeiro de 2016 estão entre os maiores, apenas inferiores as do início de 2019.

Esses são alguns dos aspectos macro que recomendam cautela com as projeções que possam ser feitas para o comportamento médio do varejo, comércio e consumo para o ano e sempre com o fundamental alerta de que médias simplificam e podem distorcer a realidade, pois setores, segmentos, regiões, formatos, categorias e canais terão comportamentos muito distintos.

Mas esse será o tema do artigo da próxima semana.

Por enquanto fica o alerta. A realidade tenderá a ser melhor do que as projeções.

Assim é e será o Brasil. Melhor que as expectativas de curto e médio prazo e muito abaixo do seu real potencial.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.