Entrevista: As lições de Luiza Helena Trajano no comando do seu império no varejo

Entrevista: As lições de Luiza Helena Trajano no comando do seu império no varejo

“Hoje, não é possível ser líder sem ouvir as pessoas, a base da empresa e os clientes e ter uma preocupação real com a diversidade e a responsabilidade com o ESG”.
Luiza Helena Trajano, conselheira do IDV, em entrevista ao jornal Correio Braziliense

 

Quando se fala em empreendedorismo, gestão, liderança e empoderamento feminino, a presidente do Conselho do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, aos 75 anos e em plena atividade, é considerada uma referência brasileira. Listada pela revista Time como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo, a empresária paulista comanda a rede de varejo Magazine Luiza, fundada por sua tia, Luiza Trajano, falecida em fevereiro deste ano.

Em entrevista exclusiva ao Correio, ela fala sobre os desafios das mulheres no mundo corporativo, a importância de se encarar crises como oportunidades de crescimento, o papel da gestão de recursos humanos e a necessidade urgente de se focar em diversidade nas contratações.

“Para atingir essa diversidade, sempre fui a favor de cotas. Cota é um processo transitório para diminuir uma desigualdade”, argumenta a também líder do Grupo Mulheres do Brasil, formado em 2012 por 50 empresárias atuantes em diversos segmentos da economia, que se uniram por um objetivo em comum de melhorar o país.

Hoje, elas são mais de 4 mil e se encontram todo mês para discutir e propor ações ligadas à educação, empreendedorismo, projetos sociais e cotas para mulheres. “Somos um grande diferencial no mundo do trabalho”, afirmou.

Luiza Helena, a senhora é uma das poucas mulheres que lideram grandes negócios no Brasil e está entre as mais influentes. Quando começou a atender no balcão da loja da família, ainda criança, já tinha essa ambição?

Nunca trabalhamos no Magazine Luiza para ser o maior ou concorrer com alguém, sempre fomos focados no trabalho. Tenho, na minha sala, uma frase que gosto muito, de São Francisco de Assis, que é: “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e, de repente, você estará fazendo o impossível”.

Pela sua experiência, qual a maior dificuldade que uma mulher encontra no mundo corporativo?

Já avançamos muito no mundo corporativo, mas ainda temos um longo caminho a conquistar. As empresas que ainda não perceberam que a mulher é um grande diferencial no mundo do trabalho, certamente ficarão para trás.

O Grupo Mulheres do Brasil completou 10 anos. Qual o saldo dessa jornada?

Estamos, hoje, com núcleos em todo o Brasil e também espalhados por todos os continentes, com mais de 120 mil participantes. Todos os núcleos trabalham intensamente em dezenas de causas que já fizeram a diferença em muitos lugares. Também temos um grande trabalho de influenciar políticas públicas, de acordo com a necessidade da época. Foi assim quando lideramos o Unidos Pela Vacina e, agora, estamos com um grande trabalho para acabar com a violência contra a mulher e buscar a equidade de cadeiras nas próximas eleições.

Ainda que não exerça cargos públicos, a senhora se considera uma mulher política. Como é essa atuação, na prática?

Sempre fui uma cidadã política, nunca com cargos nem filiação política, mas sempre trabalhando em entidades ou organizações buscando influenciar em causas que beneficiem nosso país. Agora, por meio do Grupo Mulheres do Brasil, que é político, mas apartidário, atuamos em dezenas de causas pelo nosso país.

A senhora sempre afirmou que seus negócios crescem com crises. Qual é a receita para encarar desafios e superá-los?

Isso faz parte da cultura do Magazine Luiza, que aprendemos com minha tia Luiza, a fundadora da empresa. As crises exigem união e análise a todo momento, e, historicamente, sempre superamos os momentos de crise com muitas soluções criativas, buscando oportunidades e com muito trabalho.

Na pandemia, a senhora se mostrou extremamente ativa, não só na internet, como também na campanha “Não Demita”, de sensibilização empresarial pela manutenção de empregos. De que forma a pandemia impactou nos negócios do Magazine Luiza?

Foi um momento de muito esforço, que me entreguei muito para ajudar especialmente as micro e pequenas empresas, que mais sofreram na pandemia. Foram centenas de lives e participações em atividades para ajudá-las a enfrentar a situação. No Magazine Luiza, tivemos o fortalecimento de nossa atuação on-line, que já era representativa, e conseguimos auxiliar milhares de sellers a manter seus negócios abertos, por meio de nossos canais on-line.

Luiza Helena Trajano
Luiza Helena Trajano (foto: Divulgação)

 

A senhora valoriza e defende o RH como uma área verdadeiramente focada no capital humano. Pode nos explicar melhor a sua visão?

Basta pensarmos que o atendimento final ao cliente, lá na ponta, na qual as coisas acontecem, depende de uma boa gestão de pessoas. Sempre tivemos uma atenção para toda a equipe, a valorização dos colaboradores é tão essencial e praticada na empresa que estamos há mais de 25 anos na lista das melhores empresas para se trabalhar. A gestão de pessoas também deve trabalhar valorizando a diversidade. Quanto maior a diversidade, melhor será a cultura da empresa.

O Magazine Luiza tem um programa de trainee exclusivo para pessoas negras desde 2020. Essa política chegou a ser questionada na Justiça como discriminatória, mas foi reconhecida como legítima. Quais são os resultados práticos de políticas afimativas nos negócios?

Criamos o programa para resolver um problema nosso. Uma empresa que é tão diversa percebeu que não tinha muitos negros em cargos de liderança, e consideramos o trainee um caminho natural para aumentar esse número. Por isso, fizemos o programa e fomos duramente criticados. Não esperávamos isso, mas, depois, tivemos muita gente e entidades que nos apoiaram. Realizamos uma segunda vez o programa e conseguimos quebrar uma bolha, com um modelo que passou a ser copiado no mundo inteiro. Hoje, somos constantemente procurados por empresas que querem implantar políticas como essa.

A senhora declarou em entrevista recente que há pouco tempo sugeria a diversidade nas empresas, mas, hoje, não vê a questão mais como uma opção. O que fez a senhora defender essa mudança como imperativa nas corporações? As cotas compulsórias são uma solução viável?

A diversidade é extremamente necessária para qualquer empresa. Quanto mais diversa, melhor a criatividade e a lucratividade. Para atingir essa diversidade, sempre fui a favor de cotas. Cota é um processo transitório para diminuir uma desigualdade.

Na sua opinião, a qual transformação a educação brasileira deveria ser submetida para obtermos resultados mais eficazes, lá na frente, no mercado de trabalho?

Existem muitos grupos e especialistas que têm diagnósticos concretos sobre caminhos e soluções para a educação, o que temos que cobrar agora é que esses projetos saiam do papel e passem para a ação. Estou vendo ações importantes para trabalhar a educação na primeira infância, que é fundamental para a formação.

O que um líder precisa ter para se destacar?

Hoje, não é possível ser líder sem ouvir as pessoas, a base da empresa e os clientes, e ter uma preocupação real com a diversidade e a responsabilidade com o ESG.

Recentemente, a senhora comentou que nem todo gestor é um empreendedor e nem todo empreendedor é um bom gestor. Qual é o perfil de cada um?

Geralmente, um empreendedor não é tão focado na gestão do dia a dia e não gosta de empregar seu tempo em processos e controles, que são necessários em qualquer empresa, mas quer trabalhar com iniciativa e criatividade. Os dois perfis são necessários dentro de uma organização.

Quem são as suas maiores referências?

São várias, mas minha mãe e minha tia Luiza, que é a fundadora da empresa e que faleceu em fevereiro, foram essenciais na minha formação. Minha mãe com a inteligência emocional e minha tia com a inteligência e visão empreendedora.