Entidades querem impedir o fim da isenção de imposto em compras internacionais até US$ 50
Não podemos submeter o país à entrada de tantos produtos sem pagar imposto. Não dá para suportar – Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV
Entidades de defesa do consumidor querem impedir que um direito adquirido pelos compradores seja revogado. É o caso da isenção de imposto de importação em compras internacionais on-line até o limite de US$ 50, que pode acabar. A blusinha comprada na Shein e na Shopee pode ficar mais cara.
Desde 1º de agosto, está em vigor um novo programa do governo chamado de Remessa Conforme, que cria benefícios em troca da regularização do comércio eletrônico do exterior. Os consumidores estão isentos de pagar imposto de importação em compras estrangeiras on-line até o limite de US$ 50.
Contudo, foi acrescentada uma alíquota de 17% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre esses produtos, que as empresas participantes do programa precisam recolher. Algumas bancam o imposto no lugar do consumidor, como a Shein. Nas compras acima de US$ 50, vale a regra de 60% de imposto de importação mais 17% de ICMS.
Antes de entrar em vigor esse programa, era cobrado imposto de 60% em compras de qualquer valor, mas essa tributação na prática não era aplicada. A Receita Federal operava por amostragem e o ato de fiscalizar e tributar era mais caro do que o imposto a ser recolhido. Ainda, era comum que as remessas viessem “disfarçadas” de encomendas de pessoas físicas. Assim, boa parte das compras entrava no país sem a cobrança de imposto.
O governo identificou que essa regra de tributação era ignorada com frequência e lançou o novo programa. Contudo, está tramitando na Câmara dos Deputados um projeto de lei para revogar a isenção e está em debate a alíquota do imposto que seria somado ao ICMS cobrado atualmente. O projeto ganhou o apoio de deputados de diversos partidos e de varejistas.
Há dois argumentos pelo fim da isenção: o governo aumentaria a arrecadação e a competição entre as empresas, com as brasileiras principalmente, ficaria mais “justa”. Conforme o jornal Valor, uma nota técnica interna do Ministério da Fazenda sugeriu a taxação em 28%, o que permitiria arrecadar cerca de R$ 2,8 bilhões em 2024 com essas vendas. Porém, o número não está fechado.
Além disso, as varejistas reclamam que a concorrência é “desleal”. As empresas brasileiras afirmam que falta isonomia tributária em relação às empresas estrangeiras e que a isenção causará demissões e fechamento de lojas.
“Não podemos submeter o país à entrada de tantos produtos sem pagar imposto. Não dá para suportar”, afirmou o presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), Jorge Gonçalves Filho, em audiência pública.
Já entidades de defesa do consumidor são contra acabar com a isenção do imposto de importação em compras internacionais on-line, até o limite de US$ 50. Elas ainda gostariam que esse limite fosse ampliado para ao menos US$ 100. As justificativas é que esse é um direito dos consumidores adquirido e que a revogação seria um retrocesso econômico.
Esse assunto foi debatido em um evento que aconteceu em Brasília na semana passada e reuniu representantes do governo, das empresas e dos defensores dos consumidores, o Euroconsumers Fórum 2023, organizado pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste).
Como é em outros países
Conforme a associação, estudos internacionais mostram que o imposto de importação cobrado nessas compras aumenta muito pouco o Produto Interno Bruto (PIB) dos países (cerca de 0,001% do PIB, em média) e consome energia de fiscalização que poderia ser empregada em autuações de maior valor. Nos Estados Unidos, o limite de isenção é de até US$ 800, e na Colômbia e Peru, de US$ 200, por exemplo.
Também, a entidade afirma que nada mudou na prática para as varejistas brasileiras, porque o imposto não era aplicado antes de entrar em vigor o novo programa. A Proteste diz que as empresas pleiteiam uma barreira protecionista, cuja conta será paga não por elas, mas pelos consumidores.
“Cadê o consumidor nesta discussão, que o estado tem obrigação de defender? Nada mudou para as empresas brasileiras, a não ser o pânico de concorrer com negócios mais inovadores que impulsionam os consumidores”, afirmou Henrique Lian, diretor de relações institucionais da Proteste. “O varejo nacional tem legitimidade para pedir menos impostos, mas não pede isso. Pede uma barreira tributária paga pelo consumidor”, disse.
O governo não tomou nenhuma decisão ainda e estudará com calma o assunto, afirmou Janaína Batista Silva, diretora do Departamento de Promoção das Exportações, Cultura Exportadora e Facilitação de Comércio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Ela disse que o imposto de importação “não tem caráter arrecadatório”.
“Esse debate entra na seara da competição com empresas estrangeiras que fazem investimentos locais e geram emprego e renda. Na secretaria do comércio exterior, reconhecemos os benefícios da importação, que traz opções para os consumidores e desenvolvimento local. O bem estar do consumidor tem que ser uma variável importante”, afirmou.
“Não temos como adotar uma postura contra o comércio eletrônico. Das empresas instaladas no território nacional, só 1% participa do comércio exterior”, disse.
Anna Beatriz de Almeida Lima, diretora de políticas públicas da Shein, afirmou que a missão da Shein é tornar a moda acessível e que um dos compromissos da empresa é tornar o Brasil o primeiro produtor fora da China.
“O Brasil será o grande exportador para a América Latina. Desejamos levar moda com identidade brasileira para todo lugar e nossa experiência em outros países pode ajudar na inclusão de pequenos e médios empreendedores que querem oportunidades de receita”, disse.
Fonte: Valor Investe
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