Como diminuir a inadimplência e não frear o consumo?

Como diminuir a inadimplência e não frear o consumo?

As recentes declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre o rotativo do cartão de crédito têm gerado preocupação entre consumidores e empresários varejistas.

O rotativo do cartão de crédito é uma modalidade de crédito que é acionada quando o cliente não paga o valor total da fatura e joga a dívida para o mês seguinte. É a linha de crédito mais cara existente hoje no Brasil, com juros médios de 437% ao ano.

A inadimplência nessa modalidade é um problema grave que precisa ser combatido. O Banco Central tem buscado mecanismos para diminuir a inadimplência no rotativo do cartão de crédito. Uma das medidas propostas é limitar os juros cobrados nessa modalidade. No entanto, essa medida pode reduzir o acesso ao crédito e estimular a migração para outras modalidades.

O parcelamento sem juros é uma prática amplamente difundida no Brasil e representa a principal alternativa para a população de menor renda e para a própria classe média adquirir produtos e serviços essenciais. De fato, essa modalidade corresponde atualmente a 70% das compras feitas no comércio.

Vincular a extinção do rotativo do cartão ao fim do parcelamento sem juros como alternativa para reduzir a inadimplência pode gerar consequências adversas tanto para consumidores quanto para comerciantes, impactando negativamente a economia e a inclusão financeira. Limitar ou eliminar essa opção pode afetar o consumo das famílias e colocar em risco a recuperação do varejo e a retomada econômica.

A medida em questão seria especialmente prejudicial para a população de baixa renda, de acordo com Mariana Rinaldi, especialista da Fundação Proteste. Seriam principalmente as pessoas das classes C, D e E que sofreriam mais impacto. Rinaldi acrescenta: “Os mais afetados são aqueles que recebem até dois salários-mínimos, devido à perda do poder de compra, embora isso não signifique que os outros não seriam afetados também”. A implementação dessa medida pode causar indignação entre a população.

De acordo com a planejadora financeira Myrian Lund, o parcelamento pode contribuir para o aumento do endividamento da população, que já atingiu níveis recordes neste ano. Mas, ela ressalta que esse é um assunto que requer uma análise cuidadosa. Lund afirma: “Essa medida precisa ser cuidadosamente considerada, pois o índice de revolta na população será significativo.”

A medida ainda traria impactos nos preços e no varejo pois se o parcelamento sem juros fosse limitado, o crédito ficaria 35% mais caro e haveria uma queda de até 27% na quantidade de crédito disponível, segundo a ABLOS (Associação Brasileira dos Lojistas Satélites de Shopping), em nota. A associação diz que isso causaria uma perda de R$ 190 bilhões em vendas para o varejo, causando um efeito dominó em outros setores da economia.

É preciso observar que o custo do parcelamento sem juros já está embutido nos preços dos produtos. Isso ocorre porque os lojistas fazem um contrato com os bancos para antecipar o valor a receber e pagam uma porcentagem por isso. Essa taxa de adiantamento é repassada para os preços dos produtos, diz Carla Beni, professora da FGV. Além disso, o fim do parcelamento sem juros pode impactar tanto o preço à vista quanto o volume de vendas.

Como a antecipação dos valores a receber já está embutida nos preços, o fim do parcelamento pode, em tese, deixar os produtos mais baratos, causando assim um impacto significativo na economia. Por outro lado, parte da população não conseguiria pagar à vista, o que prejudicaria o volume de vendas.

Ainda que o fim do parcelamento não seja viável, Mariana Rinaldi, da Proteste, diz que o produto cartão de crédito não está funcionando bem, por conta da inadimplência e do endividamento. Para ela, medidas que ajudem a combater o problema são bem-vindas, já que segundo dados da Serasa, cerca de 30% dos inadimplentes no país têm dívidas com bancos e cartão de crédito. Para ela, as necessidades do consumidor devem ser o foco da discussão. Rinaldi defende também que, qualquer medida a ser tomada, venha com um prazo adequado para adequação da população e do mercado. “A solução é colocar o consumidor no centro desse debate”, diz.

De acordo com o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), aproximadamente 80% das compras parceladas são feitas dentro de um período médio de 6 meses. O uso do cartão de crédito é uma maneira do varejo se aproximar do consumidor. Por isso, oferecer opções de parcelamento é atualmente uma estratégia para estabelecer uma conexão mais próxima entre o varejista e o consumidor. Ao oferecer essa forma de pagamento, o cliente realiza compras com maior frequência e o lojista consegue compreender melhor suas necessidades de consumo, adaptando assim as ofertas disponíveis.

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) disse em nota que “não há qualquer pretensão de se acabar com as compras parceladas no cartão de crédito”. A entidade disse que analisa as causas dos juros praticados no país e estuda o “aprimoramento” do parcelamento. Afirma, porém, que é necessário debater “a grande distorção que só no Brasil existe, em que 75% das carteiras dos emissores e 50% das compras são feitas com parcelado sem juros”.

Realmente, o endividamento no cartão de crédito é um problema grave que prejudica a economia. Porém, frear o consumo não é a solução para diminuir a inadimplência. Em vez disso, é necessário contribuir para uma cultura de consumo consciente baseada no planejamento financeiro. Além disso, reduzir a taxa de juros pode permitir que mais pessoas tenham acesso ao crédito e as empresas possam investir com mais vigor nos negócios, gerando emprego e renda e tornando o ciclo econômico virtuoso. Uma alternativa a ser considerada é o Cadastro Positivo, como o utilizado pelo SPC Brasil. Essa ferramenta pode contribuir muito para a concessão de crédito individualizado com taxas mais equilibradas, pois leva em conta a capacidade do consumidor em honrar seus pagamentos e, assim, premiar o bom pagador e inibir o inadimplente.

Por que não utilizar mecanismos como esse para tornar o consumo mais eficiente?
É preciso lutar por uma modernização equilibrada do sistema. As propostas para o fim do rotativo são necessárias, mas não podem comprometer o crescimento da economia, afetando as vendas e o consumo no país.

Diário do Comércio