A desglobalização do varejo físico e a metaglobalização do virtual
“O processo de desglobalização do varejo físico tem pelo menos dois fatores determinantes dessa reversão em relação ao passado. Um envolve a complexidade e os investimentos das operações físicas. E o outro, a facilidade das operações digitais”. — Marcos Gouvêa de Souza, em artigo no portal Mercado & Consumo
“Existe uma tendência de saída de empresas globais de varejo do mercado brasileiro. O tema foi tratado nesta semana em oportuna matéria da jornalista Adriana Mattos, do Valor, que também destacou marcas, formatos e conceitos que operam por aqui e optaram por sair, como Walmart, e mais recentemente o Dia que também considera essa opção. Sem esquecer das muitas outras que já saíram tanto no setor de alimentação como em outras categorias.
Naturalmente, se destacam as dificuldades e as particularidades do mercado brasileiro em muitos dos seus aspectos estruturais, operacionais, logísticos, tributários, insegurança jurídica (até o passado é incerto), trabalhistas, sem falar na diversidade e heterogeneidade sociais e regionais que tornam um desafio singular operar e ter sucesso por aqui.
Apesar da atratividade do potencial de consumo representado por mais de 210 milhões de habitantes com perfil demográfico bastante jovem para os padrões globais.
Mas é preciso também destacar um movimento maior, que envolve a reconfiguração estrutural do setor no mundo com um processo de desglobalização do varejo físico, ao mesmo tempo em que vivemos uma aceleração que pode ser caracterizada como uma metaglobalização do varejo virtual.”
O processo de desglobalização do varejo físico tem pelo menos dois fatores determinantes dessa reversão em relação ao passado. Um envolve a complexidade e os investimentos das operações físicas. E o outro, a facilidade das operações digitais.
Os riscos e investimentos crescentes têm desestimulado a expansão física das redes de varejo no mundo e, em muitos casos, temos uma reversão desse processo em particular quando o movimento é de globalização – mais do que internacionalização – quando a expansão ocorre no mesmo continente.
De uma forma simplista, o mundo, o mercado e a sociedade se tornaram muito mais complexos.
Muito tem a ver com as mudanças que ocorrem no cenário global, com economias se tornando mais fechadas por questões econômicas e políticas e a constante instabilidade que a pandemia recente aprofundou.
A expansão física corporativa própria, diferente das franquias, licenciamentos, alianças de negócios ou sociedades entre grupos empresariais, envolve um nível de investimento muito mais alto e riscos crescentes para aprender a jogar o jogo de cada mercado, região ou país. Em especial pela fragmentação comportamental que o digital e as redes sociais só fizeram aumentar.
Ao mesmo tempo em que a informação se torna mais acessível e difusa, existe um processo de aumento da complexidade dada a diversificação comportamental muito mais intensa, tornando mais desafiador reconhecer, entender e atender tal diversidade no ambiente físico. Além de mais oneroso, por conta do aumento do custo de capital, impactando os estoques imobilizados nos pontos de venda.
Além dos casos mais recentes envolvendo os setores de alimentação na realidade brasileira, muitas marcas e negócios vieram e se afastaram. Desde os casos mais antigos como Sears e JC Penney, que também perderam participação no mercado norte-americano, muitas outras, como Polo Ralph Laurent, CVS, FNAC, Forever 21, Lush ou Kiabi, vieram e se retiraram, no entanto, continuam vigorosas em suas regiões e mercados de origem.
De outro lado, a facilidade e a racionalidade envolvidas nas operações digitais ampliaram a oferta de alternativas de produtos, categoriais, marcas e mercados no e-commerce, crossborder ou maketplaces, com menor imobilização e maior racionalização de estoques, aumento da oferta, além da ampliação das possibilidades de maior e melhor conhecimento e monitoramento do comportamento dos consumidores, potencializado, agora, pela Inteligência Artificial.
E cada uma delas, por seu modelo de negócio, criando barreiras importantes graças a esse modelo potencializado pela tecnologia e alto nível de serviços.
A conjugação desses fatores precipitou o aumento da oferta e a multiplicação de alternativas para os consumidores com provedores locais e globais, da indústria e do varejo, sem que houvesse necessidade de uma complexa infraestrutura própria de lojas, logística, centros de distribuição, sistemas de pagamentos e crédito.
Por essa razão, a metaglobalização do varejo digital é um novo fenômeno global. Em boa parte beneficiado pela dificuldade dos governos em monitorar e tributar adequadamente o aumento dessa participação, pois as estruturas tributárias de muitos países, como é o caso do Brasil, foi concebida de forma predominante para economias analógicas.
Shein tornou-se a maior marca de moda nos Estados Unidos. Alibaba, Temu e Cainiao espalham produtos pelo mundo todo. Shopee também está presente em muitos mercados globais. E muitas outras, dos mais diversos países, estão operando em diferentes categorias e mercados.
Isso tudo só tende a crescer em participação nas economias e nos mercados locais, elevando ainda mais o patamar competitivo e pressionando a rentabilidade do setor em âmbito global.
Dada a irreversibilidade desse quadro, melhor seria que marcas, conceitos e operadores brasileiros também compreendessem e aprendessem que essa dinâmica é a nova ordem no varejo do mundo e se estruturassem, e muito rápido, para jogar esse jogo.
No mínimo é mais fácil e simples do que abrir e operar lojas com sucesso no exterior.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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