Executivos buscam doses excedentes dos EUA e ajudam governos locais

Executivos buscam doses excedentes dos EUA e ajudam governos locais

Grupo de executivos enviou carta à embaixada americana. Em outra frente, companhias ‘patrocinam’ governos locais para driblar entraves na gestão pública

Por Glauce Cavalcanti e João Sorima Neto | O Globo, 15/4/2021

RIO E SÃO PAULO — Após iniciativas desencontradas para comprar vacina promovidas por associações empresariais, e até negociações de um grupo restrito de empresas dispostas a imunizar seus funcionários sem a contrapartida de doar doses ao SUS, um grupo de executivos assumiu para si o papel de interlocução e negociação com outros países para facilitar a aquisição de vacinas excedentes pelo governo brasileiro.

Em outra frente, algumas dessas empresas lançaram nos estados onde têm forte presença uma ação conjunta com o poder público para garantir insumos e eliminar gargalos na distribuição de vacinas.

Na semana passada, nove executivos e presidentes de multinacionais americanas que atuam no Brasil enviaram uma carta ao embaixador dos EUA Todd Chapman, pedindo prioridade ao país na destinação de vacinas excedentes, conforme antecipou o jornal Valor Econômico.

A estimativa é que os EUA têm, neste momento, ao menos 30 milhões de doses extras, que estão sendo disputadas também por outros países, como México e Canadá. Não há decisão ainda do governo americano sobre destinar esses imunizantes para o exterior.

A carta foi assinada, entre outros, por executivos da Whirlpool, dona das marcas Cônsul e Brastemp, Google, IBM, 3M, Cargill e General Motors, relatou ao GLOBO uma fonte próxima às discussões. E a expectativa é que mais empresas americanas com subsidiárias no Brasil possam aderir ao movimento, o que daria mais peso ao pedido encaminhado às autoridades dos EUA.

O movimento Unidos pela Vacina (UPV) também faz suas articulações para negociar a compra de vacinas excedentes pelo poder público, não apenas dos EUA, mas de outros países onde já são previstas sobras em doses adquiridas, afirmam fontes que acompanham as negociações.

Em ambos os casos, se forem adiante as tratativas, as compras seriam feitas pelo governo brasileiro para o SUS; os empresários estão atuando apenas na articulação.

Nesta quinta-feira, os Estados Unidos e a Aliança Global para Vacinas (Gavi, na sigla em inglês) promovem um encontro digital entre governantes, representantes do setor privado e da sociedade civil para acelerar a captação de recursos e a adesão à iniciativa criada para financiar o acesso de 92 países de baixa e média renda a doses de vacinas providas pelo consórcio global Covax Facility.

A empresária Chieko Aoki, à frente da Blue Tree Hotels e membro do Mulheres do Brasil, estaria entre os poucos convidados para o evento, afirmam fontes de mercado.

A iniciativa faz a ponte entre os países doadores e os que precisam de doses para garantir que todas as pessoas, mundialmente, sejam vacinadas.

Empresas ‘madrinhas’

O Unidos pela Vacina não comenta se essas negociações com outros países estão em curso, frisando que vem atuando de forma muito próxima ao governo brasileiro para ajudar “em tudo o que for necessário”.

Em outra frente, o movimento, que foi criado em fevereiro pelo Grupo Mulheres do Brasil (GMB), liderado pela presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano, já lidera ações em vários estados para viabilizar uma parceria público-privada para agilizar a vacinação.

O movimento e o SUS desenvolveram uma espécie de lista de serviços e itens utilizados na cadeia da imunização, que inclui de isopores e refrigeradores a computadores e enfermeiros. Com base nesse formulário são mapeadas as demandas de cada localidade, em uma pesquisa em parceria com o Instituto Locomotiva. Depois, a rede acessa às empresas para buscar doações que supram essas necessidades.

Esse sistema garante agilidade a doações formalizadas por meio de ofício ao poder público.

O UPV criou também um processo de “patrocínio” de estados — ou, no termo cunhado pelo movimento, “amadrinhamento”, no feminino, por se tratar de uma iniciativa do Grupo Mulheres do Brasil. Já há duas madrinhas: a Natura, com o Pará, e a BRK Ambiental, com o Tocantis. Há outros parceiros na coordenação regional, sempre ao lado de uma liderança do GMB, incluindo o Grupo Boticário, no Paraná, a Enel, no Rio de Janeiro, e a Energisa, em Acre, Mato Grosso e Rondônia.

Há parceiros atuando em ações específicas, como a Positivo, que doou computadores a 15 cidades de sete estados, como Maranguape (CE), Alhandra, Congo, Juripiranga e Santa Cecília (PB). Os equipamentos vão ser usados para que as secretarias municipais de saúde dessas localidades possam registrar dados da vacinação e transmiti-los em tempo real.

— Nós não queremos comprar vacinas. Acreditamos que esta é uma responsabilidade do governo federal via Ministério da Saúde. Atuamos com uma visão mais ampla, mapeamos os obstáculos e vemos onde podemos auxiliar para que o processo como um todo funcione de forma azeitada — afirma Eduardo Sirotsky Melzer, sócio fundador e CEO da EB Capital e um dos líderes da coordenação nacional do Unidos Pela Vacina.

Na coordenação do UPV estão ainda Betania Tanure (BTA), Chieko Aoki (Blue Tree Hotels), João Carlos Brega (Whirlpool), Marcelo Silva (IDV), Paulo Kakinoff (Gol), Walter Schalka (Suzano), além de três integrantes do Grupo Mulheres do Brasil.

O UPV acaba de concluir a estrutura de regionalização da operação, com lideranças regionais do Mulheres do Brasil, que atuam em conjunto com empresas parceiras, governos estaduais e do Distrito Federal, além das secretarias municipais de saúde.

Vacina é via para reativar economia

Melzer explica que todo o trabalho foi construído com base em sucessivas reuniões com órgãos do governo e também não governamentais, incluindo encontro com o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tendo “excelentes” interações com a pasta.

Teresa Vernaglia, à frente da BRK Ambiental, da área de saneamento, conta que as demandas mapeadas e que vão sendo sanadas com doações da empresa são em geral básicas, por itens como caixas de isopor com termômetros para o transporte de doses de vacina, recipientes para descarte de seringas usadas ou refrigeradores.

Ela frisa que o que está sendo feito neste momento já é de grande importância, mas será ainda mais quando houver novas doses disponíveis para acelerar a vacinação.

— É o primeiro passo de um movimento para garantir que, quando houver crescimento no volume de doses disponíveis, não seja por falta de insumos que a vacinação não vai acontecer. Isso parece óbvio, mas precisa ser feito: ter planejamento e assertividade.

Os empresários ligados ao UPV e os que enviaram a carta à embaixada americana têm em comum a convicção de que a única maneira de retomar a economia é acelerar a vacinação em massa.

Na negociação para tentar trazer doses excedentes de outros países, a ideia é que as aquisições sejam feitas com recursos federais, sendo integralmente destinadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). A estratégia é usar a rede de contatos e o engajamento das empresas para facilitar o processo.

Na carta enviada aos EUA, os empresários relatam o crescimento de casos no país, assim como o elevado número da média de mortes, em torno de 3 mil por dia.

Nos EUA, a vacinação está adiantada e mais de 122 milhões de pessoas já receberam a primeira dose, enquanto 75 milhões tomaram as duas doses. Como o país atuou com força e preventivamente para viabilizar a produção e compra de vacinas de diferentes fabricantes, lançando ainda em abril de 2020 a Operação Warp Speed, hoje há estimadas 30 milhões de doses excedentes em poder do governo americano.