‘Taxar grandes fortunas reduz desigualdade, mas empobrece os ricos’, diz dono da Riachuelo
Confira a entrevista de Flavio Rocha, presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes e conselheiro do IDV, ao jornal Folha de S. Paulo.
Joana Cunha, São Paulo
Satisfeito com os acenos do governo na reforma tributária, o empresário Flavio Rocha, dono da Riachuelo, ainda vê pontos a serem ajustados.
Ele insiste na ideia da desoneração da folha de salário como solução para o nó tributário e rechaça conceitos como a taxação de fortunas.
“Queremos lutar contra a desigualdade ou contra a pobreza? Esse imposto consegue reduzir desigualdade, mas pela via não inteligente: expulsando ou empobrecendo os ricos”, diz.
A nova versão da proposta da reforma melhorou na sua opinião?
É muito salutar desonerar o lucro reinvestido. Tendo em vista que a maioria das empresas, pelo menos as companhias de capital aberto, distribuem o dividendo mínimo, 25%, se você desonerou em 12,5% o lucro total e onerou em 20% os 25% de distribuído, fica neutra ou até positiva para a empresa.
Eu acho que um ponto positivo interessante seria só começar a tributação dos dividendos depois da parcela obrigatória, quer dizer, os 25%. Seria uma sugestão que tornaria ainda mais atrativo. Quer dizer, os 25% de distribuição de dividendos que são obrigatórios não seriam tributados, mas se a empresa optar por distribuir dividendos além do obrigatório por lei, aí incidiria a tributação.
Eu também não entendendo muito o sentido do fim de autorizar o pagamento do juro sobre capital próprio. Quando você paga o juro sobre capital próprio, você já incide no imposto de renda na pessoa física, que é bem a proposta de desonerar o lucro reinvestido e tributar a pessoa física com o lucro distribuído.
Em que acha que é preciso avançar?
É muito importante evoluir em torno da desoneração da folha. Isso deveria ser levado a debate o quanto antes. Esse, sem dúvida, é o pior imposto. É o imposto do desemprego. A tributação da folha realmente é um retrocesso regressivo e danoso. Acho que é o mais urgente. É criar o espaço fiscal para a desoneração da folha.
O Brasil está nas maiores cargas tributárias do mundo da economia formal, porque quando você considera essa carga média de 35% que não incide sobre os 100% da economia, mas só sobre o Brasil formal, o tributável, você vai ver que está extraindo do tributável algo próximo dos 50%, coisa que não tem paralelo no mundo.
A carga tributária está distribuída em função do que é fácil tributar. Pelo fato de ser fácil tributar o trabalhador de carteira assinada é justamente sobre ele que recai a maior carga que existe.
Tem um tema dentro da tributação de dividendos que dizem que ainda não está claro, sobre se é só para o lucro gerado a partir do ano que vem ou se do jeito que está, tributa também o estoque de lucro não distribuído dos anos anteriores. O sr. acompanhou isso?
Aparentemente, poderia ficar mais claro no texto. Realmente, da forma como está posta, pode haver o entendimento. E a Receita sempre tem a tendência de um entendimento mais fiscalista, de que se o lucro vai ser distribuído no ano que vem, ele será tributado independentemente de quando ele foi gerado.
A tributação é um dos responsáveis pela grande desigualdade no Brasil. Por que vem essa reação toda quando se debate tributação de dividendos? Qual é a sua opinião, considerando que a sua empresa é uma das grandes pagadoras de dividendos?
Eu acho que a grande deformação de um sistema tributário é a sonegação. O que nos assusta como empresa formal é o fato de aumentar o fosso de competitividade entre nós, que somos uma empresa ética que paga todos os impostos, e a enorme economia informal muito presente no nosso setor. A forma de tributação pode aumentar esse degrau.
Um aumento puro e simples do imposto de renda ou imposto indireto sobre o consumo sempre é festejado pelo imenso contingente da economia que está fora do alcance dos impostos, que é a economia clandestina, informal, a venda sem nota, e agora os camelódromos digitais, que estão fazendo a festa.
É isso que nos assusta. É esse ciclo vicioso de se acuar cada vez mais um universo cada vez menor dos contribuintes que vendem com nota e registram funcionários. É ruim porque você tira a competitividade das empresas éticas, que contribuem para o financiamento do estado, e dá um tiro no pé do governo, porque aumenta a informalidade e diminui a arrecadação. Não estamos falando em causa própria. Estamos falando em causa de ter um sistema racional. E a racionalidade é alargar a base. A proposta como estava colocada diminuía a base porque acuava esse universo dos contribuintes formais. Muitas vezes, alargar a base é diminuir alíquota.
Tributar grandes fortunas não funcionaria no Brasil?
O exemplo desastroso do François Hollande [ex-presidente da França] mostrou uma coisa que é cruel mas é a dura realidade. É a mobilidade das fortunas. É o maior exportador de fortunas. O potencial de arrecadação é pífio. Acelera o êxodo. Na França, todo mundo mudou para a Bélgica, para a Inglaterra. E o mundo está cada vez mais digital. Você pode exercer a mesma função remotamente. As pessoas estão com mais mobilidade.
Nós queremos lutar contra a desigualdade ou contra a pobreza? Esse imposto consegue reduzir a desigualdade, mas pela via não inteligente: expulsando ou empobrecendo os ricos. O que se quer é enriquecer o pobres. Esse é um imposto que diminui a desigualdade, mas achatando a pirâmide, ou seja, empobrecendo os ricos.
A redução de imposto de renda gera mais investimento, aumento da demanda por mão de obra e, aí sim, resolve a desigualdade pela via inteligente, que é gerando renda para a base da pirâmide. Se desigualdade fosse o problema, tinha que dar um troféu para a Venezuela, que expulsou as fortunas para Miami ou quebrou quem insistiu em ficar.
E como vai ficar a reclamação em torno da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços)? Os diferentes setores vão querer alíquotas específicas?
Esse é outro dogma, herança da PEC 45, que é totalmente disfuncional. O sistema tributário é uma lenta construção por tentativa e erro para identificar onde está o ponto de saturação de cada cadeia produtiva e de cada elo. É uma coisa inócua, que vai gerar uma desorganização total da economia. Por exemplo: se tira o IPI do automóvel e joga no restaurante, na manicure. O que vai acontecer? Vai tirar a carga dos setores pagadores, de alta resiliência ao desaforo tributário, porque tem baixa informalidade. E vai empurrar para a informalidade o pouco que existe de formal em setores como serviços, varejo, agro.
É um gesto voluntarioso de quem não tem a vivência prática desse processo de calibragem das alíquotas. Em muitos setores, 1% a mais ou a menos de alíquota determina quem vai ganhar, se é o formal ou o informal. É diferente de 1% em siderúrgica, indústria automobilística, onde existe baixíssima informalidade, são setores que têm capacidade de repassar imposto para preço.
Há muito tempo já deixou de existir essa conotação que se pretende de progressividade ou essencialidade da tributação, porque nesse nível de sobrecarga e saturação dos impostos, o que as autoridades fiscais estão fazendo há muito tempo é quem aguenta repassar imposto para preço sem pular a cerca da informalidade. Isso é uma visão dogmática da PEC 45 que a gente não deve trazer para o sistema tributário que se quer construir. Graças a Deus ficou para trás PEC 45.
Flavio Rocha
Formado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Fundou e presidiu o IDV (Instituto de Desenvolvimento do Varejo) e, atualmente, é conselheiro da instituição. É presidente do conselho do grupo Guararapes, que inclui as empresas Riachuelo, Midway, Midway Shopping Center e Casa Verde