Shopee, AliExpress e mais: vai ficar mais caro comprar nesses sites?

Shopee, AliExpress e mais: vai ficar mais caro comprar nesses sites?

(Bruna Damasceno, Diário do Nordeste) — Empresários insatisfeitos com a concorrência que consideram “desleal” pressionam o governo para taxar sites estrangeiros, como Shopee, AliExpress, Wish e Shein. A demanda já está na mesa da Receita Federal prestes a virar uma Medida Provisória (MP). Mas, afinal, o que mudaria e qual seria o impacto disso para os consumidores?

Primeiro, é preciso entender que essas plataformas não são totalmente imunes aos impostos brasileiros. Caso o modelo de tributação atual seja ampliado, o efeito imediato para o consumidor será a alta do custo de produtos.

Por outro lado, o empresariado aponta que o Brasil deixa de arrecadar tributos em razão de suposta brecha legal para subfaturamento (preços declarados na nota fiscal abaixo do valor praticado).

Para economistas, a discussão é complexa e expõe, na verdade, a necessidade de melhorar a competitividade da indústria brasileira para alavancar a economia.

Como funciona a taxação de sites asiáticos?

Segundo Hamilton Sobreira, presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), remetentes pessoas físicas podem enviar encomendas de até US$ 50 sem a cobrança de taxas para o consumidor final residente no Brasil.

Acima deste valor, cobra-se 60% de tributos de importação. A partir de US$ 500, acrescenta-se o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e uma tarifa de despacho aduaneiro.

Ele frisa que manipular dados ao registrar mercadorias mais caras com preço abaixo do limite estabelecido caracterizaria evasão fiscal, tipificada como crime de sonegação.

Quem e o que está por trás desse movimento?

Os sites asiáticos são uma alternativa para consumidores que buscam comprar artigos infantis, roupas e aparelhos eletrônicos mais baratos. Para se ter ideia, um brinquedo com 1 mil peças de blocos de montar que custa R$ 329,99 em uma loja brasileira cai para R$ 39 a R$ 126,84 nessas plataformas.

E são exatamente esses setores que reivindicam ampliar a rota da tributação. Dentre os empresários, estão Luciano Hang, dono da Havan, amigo do presidente Jair Bolsonaro (PL), e Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multilaser.

Também encabeçam o movimento as associações de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), apoiadas pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).

O IDV afirmou não haver porta-voz para falar sobre o tema “no momento”.

A Havan informou um representante do grupo para comentar o caso, o presidente da Abrinq. Já a Abinee, Abit e a Multilaser não responderam à demanda do Diário do Nordeste até a publicação desta reportagem.

Qual o impacto dessa medida?

O novo custo tributário chegará ao bolso do consumidor. Desta forma, ficará menos vantajoso comprar fora do País. Todavia, não há definição de percentuais.

A Receita Federal informou aos empresários que estava elaborando a Medida Provisória para modificar o modelo de cobrança para os sites asiáticos, mas ainda não apresentou o plano, segundo Synésio Batista.

Para o Diário do Nordeste, o órgão informou que não “comenta sobre propostas, normas ou decisões ainda não publicadas”. Portanto, o impacto dessa modificação só poderá ser calculado após as regras serem divulgadas.

Hamilton Sobreira, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE, pondera que o texto final da MP precisa ser analisado para não acabar com o valor de isenção cuja pessoa física tem direito.

O professor de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, explica que elevar a taxação sobre essa modalidade de comércio online limita a capacidade de consumo de alguns itens por parte exclusivamente da classe média.

“Na hora em que essas plataformas subirem os preços e igualarem ou ultrapassarem ao nacional, dependendo da dosagem, quem vai pagar é o consumidor, que nem teve aumentos de salário mínimo”, inicia.

“Então, estamos falando da classe média, claro, mas esses compradores terão mais dificuldade para consumir tecnologias e produtos eletrônicos”, salienta.

Qual a solução para esse problema?

O professor de Economia Brasileira da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Feldmann, acredita que a tributação da indústria estrangeira é fundamental para o desenvolvimento de um país, mas pondera que o problema está na cadeia produtiva e não na ponta.

“Para o varejo, não tem um grande impacto, há tantas redes varejistas. E as pessoas querem ter opção. O problema está em comprar, lá fora, itens manufaturados que são fabricados no Brasil”, destaca.

Feldmann acrescenta que altas taxações sobre indústrias estrangeiras “são aplicadas em todo o mundo” e são cruciais para o desenvolvimento local.

“Isso foi muito ruim para o Brasil durante muitos anos. Antes, a classe média viajava para o exterior e comprava produtos importados lá, mas agora tem o comércio eletrônico”, explana.

“Não existe país desenvolvido sem indústria. Neste aspecto, os asiáticos são muito fortes. Todos fabricam manufatura, enquanto o Brasil ficou especializado em commodities. Perdemos nossa indústria, fizemos tudo errado. Agora, é a hora de proteger”, diz, lembrando a trajetória industrial brasileira da década de 1980.

O professor de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, avalia que a concorrência com países asiáticos é mesmo acirrada em razão da tecnologia avançada e produção acelerada, refletindo no custo da mercadoria, mas critica o empresariado por liberalismo de ocasião.

Para ele, o caminho deve ser o investimento em Educação, universidades públicas, pesquisa científica e desenvolvimento de produtos.

“Esses empresários são liberais até certo ponto. Quando a incompetência deles se apresenta, correm para o estado dizendo que não estão aguentando, quando deveriam buscar eficiência e competitividade”, contesta.

O que os empresários dizem e querem?

O Diário do Nordeste teve acesso ao documento dos empresários enviado à Receita Federal, batizado de “Contrabando digital bilionário: a destruição do comércio varejista, atacadista e
da indústria brasileira”.

O dossiê, de 97 páginas, mostra desde o perfil ao faturamento de cinco plataformas: AliExpress, Shein, Wish, Shoppe e Mercado Livre. Há também o modelo de operação do negócio e a comparação de preços dos bens.

No documento, eles alegam que, durante a compra, o consumidor pode solicitar ou até mesmo ser incentivado pelas plataformas para que a descrição do produto e o valor declarado sejam alterados e subfaturados para dificultar a tributação na fiscalização aduaneira.

Ao Diário do Nordeste, o presidente da Abrinq, Synésio Batista da Costa, representante do grupo de empresários, disse que os varejistas propuseram a substituição tributária.

Ou seja, querem que os próprios sites asiáticos já recolham os impostos a serem repassados para o contribuinte brasileiro para evitar suposto drible fiscal.

“O que não concordamos é importarmos um brinquedo com carga tributária de 35% e Inmetro, mas os sites asiáticos podem ir lá e dizer que não é brinquedo e sim um material escolar, se livrando do Inmetro”, exemplificou.

Além disso, artigos infantis pirateados podem conter nível de chumbo maior do que o permitido, segundo o empresário. Antes de aquiri-los, verifique se possui ou não o selo de Avaliação da Conformidade do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) no endereço eletrônico da autarquia.

“Não queremos a indústria brasileira em desvantagem, e eu não preciso ser protegido. Nunca pedi proteção ao governo, isso é coisa da década do meu avô. Só não posso deixar o governo não fazer nada quando algo está sendo destruído. A gente só pediu para encontrarem uma solução”, afirma.

O documento também estima perda bilionária aos cofres públicos. O Diário do Nordeste confrontou os números com a Receita Federal, mas não foram confirmados.

Segundo o órgão, em 2021, o volume importação foi R$ 231, 2 milhões. O valor é 24,78% superior ao observado em 2021, de 185,3 milhões.

A arrecadação total dessas remessas foi de R$ 1,3 bilhão, alta de 50,67% em relação ao ano anterior (R$ 895.444.383). Veja abaixo:

Tabela de dados: Arrecadação total de remessas Internacionais, em R$, 2017 a 2021

Foto: Receita Federal

O membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE, Felipe de Abreu, observa que o impasse é complexo.

“É importante reiterar que mercadorias vindas da China, além das estrangeiras em geral, já são tributadas. O que tem incomodado o varejo nacional não é a tributação em abstrato, mas sim em qual momento e de que modo esta tributação ocorre”, analisa.

O que dizem os sites asiáticos?

Em nota, a AliExpress informou ser um e-marketplace que permite comerciantes e compradores se conectarem diretamente para benefício mútuo.

“Respeitamos e nos esforçamos para cumprir todas as regras e regulamentos aplicáveis nos mercados em que operamos. Os comerciantes que utilizam nossa plataforma são separadamente responsáveis por cumprir as leis e regulamentos aplicáveis a eles também”, garantiu.

O Diário do Nordeste solicitou posicionamento ao Mercado Livre e Shopee e aguarda retorno. Shein e Wish, que não possuem assessoria no Brasil, não foram localizadas pela reportagem.