Remessa Conforme foi ‘destruído’ com afrouxamento das regras, diz Sérgio Zimerman

Remessa Conforme foi ‘destruído’ com afrouxamento das regras, diz Sérgio Zimerman

As mudanças feitas pela Receita Federal na portaria que disciplina o Remessa Conforme “destruíram” o programa de conformidade do governo, que determina regras para que plataformas estrangeiras tenham direito à isenção no imposto de importação nos envios abaixo de US$ 50. A declaração é de Sérgio Zimerman, membro do IDV, principal instituto do varejo brasileiro, presidente da Petz e membro do “Conselhão”, conselho de desenvolvimento econômico do governo.

Procurada na segunda-feira (20), a Receita Federal ainda não se manifestou sobre as alterações no teor da portaria. O Valor antecipou, na segunda, as mudanças nas regras, publicadas em fevereiro, que flexibilizaram as exigências da portaria anterior, de julho de 2023.

Na visão de Zimerman, e de membros do IDV, foram afrouxadas as regras para as companhias estrangeiras, como asiáticas e americanas, não precisarem cobrar dos consumidores 60% de imposto de importação, o que torna mais barato o envio de produtos ao país abaixo de US$ 50. As companhias ainda têm que cobrar 17% de ICMS sobre as importações.

Varejistas nacionais de moda, por exemplo, pagam, em média, 90% de impostos no produto vendido nas lojas. “Isso [o afrouxamento] destrói, acaba com o Remessa Conforme, e torna praticamente imediato o beneficio da isenção do imposto para quem quiser solicitar. No fim das contas, a empresa só tem que afirmar que ela está dentro da conformidade, e se não estiver, você acha que vão fiscalizar? É um absurdo completo”, disse ele.

As alterações foram publicadas na portaria nº 149 da Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana), em relação ao texto da portaria nº 130, de julho. Foi alterada a exigência de monitoramento de vendedores cadastrados nos sites das plataformas, um controle que colocava as plataformas no centro das cobranças de eventuais irregularidades em produtos importados.

Pela portaria de julho, era obrigatório o fornecimento de um documento oficial com detalhes da política de admissão e de monitoramento de lojistas no “app” e site das companhias. Mas, desde fevereiro, com a mudança, passou a ser necessário apenas uma declaração da própria empresa afirmando que possui programa de conformidade tributária e aduaneira, e dizendo que plataforma tem política de admissão de lojistas.

Outra alteração envolve questões logísticas. Inicialmente, pela portaria de julho de 2023, era necessário que a empresa de fora que buscasse o aval do Fisco possuísse contrato firmado com os Correios ou com empresas de courier. Neste ano, o artigo foi alterado, e com um contrato fechado direta ou indiretamente com a estatal ou os couriers, já pode ser analisada a liberação.

Com isso, um intermediário pode entrar nessa cadeia de distribuição, o que reduz a possibilidade de as plataformas serem responsabilizadas diretamente em caso de envios, pela transportadora, de dados ou produtos em condição irregular, dizem fontes próximas ao IDV.

Zimerman afirma que não houve discussão da Fazenda ou Receita em relação a essas alterações junto ao IDV, entidade que tem sido a interlocutora das empresas junto ao governo federal na questão do imposto de importação desde o ano passado. “Isso estava fora do radar porque já tínhamos uma portaria consolidada sobre o tema. Um empresário viu as alterações e nos alertou”, disse.

“Sapo na panela”

“Isso parece aquela lenda do sapo cozinhando na panela. Se jogarmos um sapo numa panela, enchê-la com água fria e aos poucos aquecermos a água, o sapo nem nota, e vai se adaptando, até que a água ferve tanto que ele morre”, disse. “Adivinha quem é o sapo?”.

O Remessa Conforme é um programa anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em meados de 2023, dentro da ideia de criar normas de atuação da empresas estrangeiras de comércio eletrônico no país, e, dessa forma, coletar informações que torne possível fiscalizar e aumentar a arrecadação de impostos.

A ideia seria isentar as plataformas de forma temporária, coletar informações das importações dessas empresas e ampliar controles para impedir sonegação e falsificação de produtos. Acontece que a isenção permanece desde agosto, não há mais prazo para definição de uma nova alíquota e, somado a isso, em fevereiro, a Receita fez as mudanças nas regras.

Zimerman ainda informou que, há cerca de um mês e meio, o IDV encaminhou à Procuradoria Geral de República uma denúncia de produtos importados com infrações às normas de saúde e sanitárias do país.

Com apoio do Instituto Brasileiro de Peritos, foram comprados produtos de sites estrangeiros que ferem a legislação brasileira, e as análises sobre os produtos foram encaminhados à procuradoria.

“Pomadas que prometem a cura do câncer de mama e formol puro para cabelo, por exemplo, são vendidos sem qualquer controle. Estamos falando aqui de proteção à vida, já que a questão econômica o governo decidiu ignorar”, disse o empresário. Segundo ele, para efeito de comparação, em uma das lojas da Petz, um tanque de aquário vendido pela rede estava sem manual em português anos atrás, e a empresa foi multada.

Adriana Mattos, Valor Econômico, 21/5/2024