Quarentena expõe divergências no varejo

Quarentena expõe divergências no varejo

O anúncio ontem da postergação da quarentena em São Paulo expôs mais claramente uma divisão dentro do varejo, um dos setores mais impactados pela crise gerada pela covid-19. Nos últimos dias, o governador do estado, João Doria, criticou empresários “afoitos” para abrir suas lojas – ontem, falou em aumento de fiscalização sobre as empresas.

Alguns líderes, representados pelo IDV, maior entidade privada do setor, e pela Abrasce, associação dos shoppings centers, por exemplo, têm defendido a manutenção do isolamento. Mas não há unanimidade.

“Não queremos ser responsabilizados por acelerar ou atrasar a reabertura [das atividades]. Os governos que têm que liderar essa discussão, como já têm feito. Eles têm os números sobre a pandemia e condições de decidir”, disse Glauco Humai, presidente da Abrasce.

Já a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a FecomercioSP divulgaram notas ontem, após a entrevista de Doria, subindo o tom, com críticas mais duras aos governos. A ACSP sugeriu tornar menos rígidas, na semana que vem, as regras de isolamento.

“Podemos entender a decisão do Estado no intuito de proteger as pessoas do coronavírus. Porém, queremos fazer algumas considerações: o governo do Estado e a Prefeitura não estão oferecendo nenhuma contrapartida. Não tem como levar isto até o dia 22 de abril sem que se postergue o Imposto por Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto Territorial Urbano (IPTU) por no mínimo 90 dias”, diz em nota, Alfredo Cotait, presidente da ACSP.

Cotait sugere, durante o período de 12 até 22 de abril, “uma flexibilização, por exemplo, nas cidades com até 5 ou 10 mil habitantes”. Diz que “no comércio de rua da cidade de São Paulo, tomando todas as medidas de saúde necessárias, também seria possível essa flexibilização”.

As secretarias de saúde dos Estados são contra uma flexibilização nos próximos dias pelo risco de que o contágio avance no país e cause colapso no atendimento.

A Fecomércio diz que “compreende e aceita” o adiamento da quarentena, mas cobra “maior profundidade e velocidade das ações já anunciadas para a manutenção das empresas e dos empregos, bem como um plano de retomada da economia”.

“Respeitamos o posicionamento técnico do ministério e das secretarias, e apoiamos a preocupação com a saúde, mas a gente elevou o tom por causa de algumas medidas tomadas com efeito muito restrito”, disse Ivo Dall’Aqua Junior, vice-presidente da federação.

“O governador fala na liberação de R$ 650 milhões em crédito por meio do Banco do Povo e do Desenvolve SP. Isso não cobre nem a média diária de faturamento do comércio que está de portas fechadas no Estado”. Para chegar nessa conta, levou em consideração que, num mês como abril, lojas fechadas levariam a perdas de vendas de R$ 35 bilhões no estado.

A Abrasel, associação dos bares e restaurantes, seguiu linha semelhante ontem, ao criticar o discurso de Doria. Para Paulo Solmucci Jr, presidente da associação, a fala do governador foi “lamentável” ao não determinar um mínimo de previsibilidade ao setor privado para um eventual retorno das operações após o dia 22 de abril.

“Ele está fazendo política em cima de um setor arrebentado, que são as empresas [de comércio e serviços]. Com base nos próprios dados de contágio que apresentou, ele [Doria] poderia fazer uma projeção de escala de retorno das atividades no pior e no melhor cenário, por exemplo”.

Ontem, havia videoconferência marcada entre algumas dessas entidades como Fecomercio, ACSP, Abrasel (que representa os restaurantes), ABF (das franquias), para definir mais claramente as medidas de apoio ao setor, a serem reforçadas junto ao governo paulista. Convidado para participar, o IDV preferiu não acompanhar.

O IDV tem recomendado que os associados sigam as orientações das área de saúde e tem trabalhado junto aos governos a definição de medidas concretas de apoio. Sobre o retorno das atividades, já informou em nota que defende que as operações sejam retomadas “após certificada a segurança da saúde da população”.

Segundo fontes, em cidades pequenas, pouco afetadas pelo vírus, sindicatos dos comerciários têm buscado associações locais para pedir a flexibilização da quarentena, o que acaba chegando ao conhecimento das federações.

Em comum, as entidades do comércio reforçam que é preciso agilidade, previsibilidade e planejamento – ao lado dos governadores – das ações, antes de ser decretado o fim do isolamento, para que as empresas possam se organizar.