Há receio de que ocorra paralisia no país, diz presidente do conselho da Raia Drogasil

Antonio Carlos Pipponzi diz investimentos vitais à retomada só virão após a reforma

Joana Cunha
Paula Soprana
São Paulo

O setor farmacêutico no Brasil tem se mostrado um negócio para administrações familiares, diz Antonio Carlos Pipponzi, 66, presidente do conselho da Raia Drogasil.

Para sua marca, 2019 se mostra satisfatório: em fevereiro, a empresa adquiriu a concorrente Onofre. Mas, quando o assunto é o varejo brasileiro, Pipponzi, que está à frente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), o que predomina ainda é a expectativa de o Congresso destravar e aprovar a reforma da Previdência.

Na visão do empresário, o adiamento das reformas econômicas prometidas pode, aos poucos, minguar o capital político adquirido pelo governo Jair Bolsonaro (PSL).

Antonio Carlos Pipponzi, 66, é formado em Engenharia Civil pela USP. Sua trajetória profissional foi toda na Raia, onde hoje é presidente do Conselho de Administração. Ele assumiu cargo na fusão com a Drogasil, em novembro 2011 – Karime Xavier – 28.fev.18/Folhapress

 

Como o sr. avalia os primeiros meses do governo Bolsonaro?

Não dá para falar do presidente, só de seu time econômico. O presidente simplesmente está ali. Primeiro ele teve o período do hospital. Também o período em que se precipitou nas declarações.

Quando começaram as discussões em torno da reforma previdenciária, ele de repente se antecipou, disse que não era isso, que era aquilo. Acho que realmente existe um desconforto. Muitas vezes, o time dele quer justificar.

O que se concluiu neste primeiro momento é que ele tem necessidade de alinhar as declarações com a de seu time. Acho que ele escolheu muito bem a equipe econômica, que está no foco, e é fantástica.

Agora é expectativa, expectativa, expectativa. Estamos vivendo esse período, esperando a reforma, tentando entender o comportamento do Congresso. É uma interrogação. Até que ponto os partidos estão estruturados e fortalecidos? O que é negociar com bancada? O que é essa coisa de bancadas da bala, da bola, da Bíblia? Qual é a visão de uma bancada sobre a Previdência? Tem quem goste de boi, de Bíblia, mas o que pensam sobre Previdência?

O que ele precisa fazer para não perder o controle da situação?

Acho que ele vai ter que ser um bom negociador. Seria um desastre para o país não aprovar a reforma previdenciária.

É um primeiro sinal que todo o mercado espera para começar investir, tanto de fora como de dentro [do país]. É um cenário de luz, claro para a retomada da economia, para diminuir o desemprego.

O mercado terá tolerância com ele até quando?

A tolerância, talvez, seja em relação ao Congresso. Tudo espelha nele [Bolsonaro], bate nele, respinga nele.
Nesse momento, o tempo dele é o tempo de o Congresso resolver a reforma. É complicado porque aí começam a dizer que [a reforma] não sai mais em abril, mas em julho.

Mas, se começa a passar muito tempo, ele começa a perder o capital político que tem desde que foi eleito, vai diminuindo. A aceitação popular do Bolsonaro já diminuiu muito desde a eleição. Há grande receio de uma paralisia, você vê a popularidade caindo porque ainda não tem nenhum sinal de retomada.

Por que diminuiu, na sua opinião?

As pessoas sempre têm expectativa de que o Executivo, o presidente, é muito mais forte do que ele é, mas o presidente depende do Congresso. Acham que no dia seguinte o cara vai implementar um monte de coisas, que a vida vai ser segura, que a escola vai ser melhor, que a economia vai andar.

Talvez da parte do empresariado, se você falar como era a crença antes e depois, a variação é pequena. Mas, se você olhar a população como um todo, fica a pergunta: “O que mudou na minha vida?”
Não mudou nada. Daria para mudar? Não daria.

A discussão da reforma da Previdência extrapolou o limite para questões trabalhistas. Não seria melhor dividir isso em etapas?

O principal para mim é entender que sem reforma não vamos salvar a economia. Isso não é nada novo, é um entendimento tão claro do governo.

A primeira intenção de Paulo Guedes [ministro da Economia] era enviar um leque de projetos, mas a Previdência virou a primeira, a segunda e a terceira prioridade. O foco está na Previdência e deve-se ajustá-la.

É impossível que uma proposta inicial seja aprovada na íntegra. É difícil tratar iguais de forma diferente. Fato é que tem que ser uma reforma robusta, grande, que efetivamente crie um ambiente favorável ao crescimento.

Então o sr. não concorda com a ideia de que é melhor uma reforma menor do que não haver reforma?

Tem que ser uma reforma robusta. Tem que ser discutida no Congresso. Evidentemente que o corporativismo vai falar alto.

Há minorias que se sentem tolhidas nos seus direitos; algumas com conteúdo racional, outras com menos e outras sem nenhum.

O fato é que pressões serão muito grandes, mas disso é preciso resultar uma reforma robusta. Uma reforma levinha não vai adiantar, vai jogar o problema para o futuro.

Temos que entender que todo mundo vai perder porque o país não tem condições de pagar. O país não só enfrenta questões históricas da Previdência ligadas a benesses concedidas por lei. Também há um problema claro de envelhecimento da população.

Você não quer que, daqui a 20 anos, um jovem trabalhe para sustentar um idoso. Como vejo correlações com a reforma trabalhista: empregados e empregadores sentam e definem o que lhes interessam.

O varejo tem receio da expansão de estrangeiras como a Amazon?

Quem sou eu para menosprezar a Amazon? Mas [as empresas brasileiras] têm que entender a natureza de seus negócios, seus diferenciais e fazer aquilo que sabem fazer. Quando a Amazon surgiu, a Target, por exemplo, ficou perdida. Mais tarde, eles passaram a fazer o que de melhor faziam, e sobreviveram muito bem, entenderam que o mundo é digital.

A Drogasil comprou a Onofre e, com isso, saiu do Brasil a CVS.

É mais um caso de empresas internacionais que chegam ao país e não entendem que você tem um ambiente cultural, regulatório e tributário diferente.

Já vimos muitas empresas de fora darem errado ou ficarem muito abaixo da expectativa. O Walmart foi embora.

O varejo farmacêutico aqui é negócio para as famílias brasileiras?

Os dados mostram isso. As famílias entendem o consumidor, se relacionam com ele, entendem a cultura daqui. Esses negócios passaram por muitos Frankensteins regulatórios, tributários, então, têm grande capacidade de adaptação.

O varejo farmacêutico é muito competitivo. Se você olhar a relação das dez maiores, umas 70% são familiares. É uma característica do negócio. Eu tinha um avô que vivia dentro da farmácia, atendendo gente a qualquer hora na gripe espanhola.

O propósito das empresas é transmitido por gerações. O medicamento é só a commodity.