‘Guerra das blusinhas’ volta ao radar com taxação a chineses

‘Guerra das blusinhas’ volta ao radar com taxação a chineses

Setor têxtil fala em risco de país receber ‘avalanche de importações’ após EUA impor tarifa de 30% à China; sites negam.

Confira matéria publicada no jornal Valor Econômico, 4/4/2025:

Varejistas e fabricantes nacionais de bens de consumo temem os efeitos da decisão do governo americano de elevar impostos sobre certos produtos da China, segundo representantes dos setores. A partir de 2 de maio, itens enviados da China e de Hong Kong aos EUA, que custem até US$ 800 (RS 4,5 mil), e que antes eram isentos de tarifa, passam a ser taxados em 30%.

Há receio de um direcionamento ao Brasil de parte dessas mercadorias, mais baratas que as vendidas aqui, e também um temor de que o governo chinês passe a subsidiar mais a venda desses produtos no mundo. Isso pode ser feito para apoiar as empresas afetadas pela taxação de Trump.

O comando da Abit, associação do setor têxtil, fala em risco de sucumbir “a uma avalanche de importações asiáticas”. É algo que desequilibraria mais a posição do Brasil, sem as mesmas condições competitivas para balancear essa pressão na “guerra das blusinhas” – como tem sido chamada a disputa entre empresas estrangeiras e nacionais pelo comércio no país.

Como o produto da Ásia tende a encarecer para o comprador americano, os sites e seus lojistas (que vendem dentro das plataformas) precisam buscar outros mercados para não perder receita. Ou tentar absorver esse imposto de 30%, o que pode envolver apoio do governo chinês.

Segundo Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), no Brasil, ao se considerar imposto de importação e ICMS estadual, as estrangeiras pagam 44,6% de tributos, para um ICMS de 17%. Com ICMS em 20%, como alguns Estados cobram, a taxa final chega a 50%. Para as redes nacionais, a depender do segmento, a tributação é o dobro, de 80% a 100%.

“Eles [asiáticos], pagam a metade do que nós. Então esse desequilíbrio deixa o país mais aberto às importações. E é natural que eles procurem uma saída com a taxação de Trump. Isso pode nos prejudicar e vamos esperar reunir dados para ver se houve esse efeito”, disse.

“Se o preço for mais subsidiado no Brasil por países que têm uma postura de proteção já mais forte, aí teremos uma consequência rápida, em particular, em empregos no país”, afirmou.

Gonçalves citou dados do Caged, cadastro geral de empregos, sobre uma aceleração na geração da vagas no comércio desde agosto, quando o Brasil passou a taxar remessas de até US$ 50 em 20%, derrubando a isenção de impostos existente.

Apesar de se tratarem de plataformas que dependem da demanda para vender, há sites que produzem e vendem as suas próprias marcas.

Além disso, eles conseguem ampliar a venda por meio de subsídios, como arcar com parte de impostos que o cliente paga, e por meio de ações mais agressivas em taxas e comissões a certos países, junto aos lojistas que vendem nas plataformas.

Os sites têm autonomia para definir suas políticas para cada país. A Shein chegou a custear parte do ICMS no Brasil em 2023.

Segundo duas fontes ligadas à articulação das plataformas chinesas junto a Brasília, e ouvidas ontem, ações já têm sido estudadas nos “marketplaces” estrangeiros desde o começo do ano.

Só que, até o anúncio de Trump nesta semana, era esperado uma taxação de 10%, e não 30% sobre a venda – será esse percentual ou US$ 25 por item, e o valor aumentará para US$ 50 após 1º de junho.

Em mercados maduros, direcionamentos maiores tendem a ocorrer para Japão e Reino Unido, por exemplo, cita uma dessas fontes – esses países cobram menos impostos que o Brasil.

Mesmo assim, como o Brasil é relevante na estratégia global, em termos de tamanho de mercado consumidor e pelo forte crescimento recente, maiores “desvios” de produtos ao país podem ser inevitáveis, dizem outros representantes.

Em rede social, Fernando Pimentel, presidente da Abit, diz que há vários países fortemente exportadores de têxteis e confeccionados para os EUA muito penalizados pela decisão dos EUA.

Mesmo com tributação, imposto nos EUA será menor que no Brasil”

“E não sabemos ainda como eles enfrentarão esse tsunami tributário. Sabemos, porém, que dada a importância dessas exportações para estas nações, eles deverão buscar outros mercados […] e aqui há grande perigo: que parte venha ainda mais fortemente para nosso mercado, afetando de forma relevante produção, investimentos e empregos”, disse ele no LinkedIn.

“Medidas de legítima defesa comercial terão que ser acionadas rapidamente sob pena de sucumbirmos a uma avalanche de importações asiáticas. Se já atuávamos fortemente nesta agenda, iremos fazê-lo ainda mais nesse novo cenário.”

As maiores plataformas asiáticas de bens de consumo no Brasil são Shopee, Temu, Shein e AliExpress.

Questionada sobre eventuais efeitos no Brasil, a Shein não respondeu as perguntas enviadas e disse que se manifestaria por meio da Amobitec, associação de mobilidade e tecnologia.

A Amobitec afirma que é muito cedo para fazer avaliações de impactos. Diz, porém, que não pode afirmar que haverá redirecionamento, já que é a demanda que define a venda e que impostos no Brasil são mais altos que em outros mercados, e isso pode não alterar o atual cenário.

“Não podemos perder de vista que a tributação no Brasil sobre compras […] segue sendo a mais alta do mundo”, diz a entidade, muito superior a de outros países, inclusive dos EUA. “Assim o anúncio não parece ser um fator que irá alterar o volume atual do comércio internacional”

As empresas AliExpress, Shopee e Temu não se manifestaram.

Para o diretor de uma fabricante de fios e malhas de Minas Gerais, há risco de o Brasil ter que lidar com uma “torrencial” invasão de produtos chineses, com a decisão do governo americano.

Questionado se o Brasil já não teria uma certa proteção, já que é uma economia mais fechada que outros países compradores dessas plataformas, o empresário afirma que, mesmo com o imposto de 20% mais o ICMS, os sites asiáticos ainda crescem de forma contínua no Brasil, e mais que as redes nacionais, o que é um estímulo na hora de redirecionar a venda.

Para ter noção do tamanho do impacto desse mercado, a área de alfândega e proteção de fronteiras dos EUA processa mais de 4 milhões de remessas de produtos de até US$ 800 para os EUA a cada dia. No Brasil, segundo a Receita Federal, em 2024 foram cerca de 187 milhões de remessas internacionais, média de 520 mil ao dia.

Facsimile da página no jronal Valor Econômico

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