CEO da Petz defende regulação de compras no exterior: ‘Vamos esperar uma criança morrer?’
Em uma varejista ou uma indústria nacional, a empresa está sujeita a toda sorte de regulamentos e todos os órgãos, que estão corretos ao protegerem o consumidor. Só que esse consumidor não deixa de ser brasileiro quando compra de uma plataforma estrangeira. Mas os órgãos não fazem nada no caso das compras internacionais. — Sergio Zimerman, conselheiro do IDV, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo
O fundador e CEO da Petz, Sergio Zimerman, membro do Conselho do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), defende a taxação de compras internacionais ou, ao menos, um tratamento igualitário para vendedores nacionais e estrangeiros. Além disso, na avaliação do executivo, hoje a forma como são vendidas mercadorias de origem estrangeira coloca em risco todos os consumidores brasileiros e joga na lata do lixo a legislação que protege o consumidor.
“Em uma varejista ou uma indústria nacional, a empresa está sujeita a toda sorte de regulamentos e todos os órgãos, que estão corretos ao protegerem o consumidor. Só que esse consumidor não deixa de ser brasileiro quando compra de uma plataforma estrangeira. Mas os órgãos não fazem nada no caso das compras internacionais, não podem fazer nada. A gente vai esperar uma criança morrer comprando um produto internacional ou uma pessoa ter um problema sério? Quem vai ser o responsável?”, diz.
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Zimerman acredita que os benefícios tributários aos estrangeiros põem todo o varejo em risco, não apenas o setor de vestuário – hoje o mais atingido. Segundo ele, isso gera um efeito negativo para o País, que deixa de arrecadar cada vez mais impostos e cria menos empregos por favorecer empresas que contratam pessoas e pagam tributos a governos de outros países.
Um levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que o consumo de produtos internacionais via internet no Brasil é hábito do público de alta renda, e é usado pelo varejo nacional como mais um argumento pela taxação. O estudo mostra que 18% dos brasileiros com renda de até dois salários mínimos aproveitaram a isenção tributária em compras do exterior de até US$ 50. Já a fatia do público consumidor que ganha mais de cinco salários mínimos é de 41%.
Leia os principais trechos da entrevista a seguir.
Qual é a sua visão em relação ao trâmite da pauta sobre a taxação de compras internacionais com preços acima de US$ 50?
As plataformas estrangeiras estão utilizando uma narrativa para politizar a discussão, enviesando uma decisão que era para ser absolutamente técnica. Ela assume contornos políticos indevidos. A grande discussão capitaneada pelas plataformas é: não podemos taxar os pobres e o governo está querendo fazer isso. Por outro lado, os partidos de oposição, como o PR, dizem que os petistas foram eleitos para taxar os ricos e vão taxar os pobres. Essa é a grande politização desse assunto. A gente tem de fugir dessa polarização porque ela é mentirosa. Ela leva a uma sinuca de bico que não chega a lugar algum. A verdadeira discussão é outra. De fato, a taxa de 90% sobre o consumo ou 100% sobre o consumo para os pobres é um absurdo e é a taxa mais alta do mundo. Só que não foram os empresários que inventaram essa taxa. A taxa foi feita pela Receita Federal e é a taxa que todas as empresas que estão inscritas no Brasil, que geram emprego e geram impostos no Brasil, estão sujeitas. A população pobre já paga essa taxa quando compra de qualquer varejo nacional ou de qualquer indústria nacional. O governo está renunciando a cerca de R$ 30 bilhões só no ano de 2023. No acumulado da pandemia para cá, foram mais de R$ 100 bilhões renunciados ou sonegados de plataformas de importação. Se o governo tem essa disposição de renunciar a esse imposto sobre o consumo, nós, como varejistas, vamos aplaudir. Mas a questão é: por que isso está sendo feito em favor de plataformas estrangeiras que não geram um único emprego e não fazem investimentos nenhum no Brasil, e não o contrário?
A discussão, então, é sobre geração de empregos e pagamento de impostos?
Não faz o menor sentido você dar um tratamento de renúncia fiscal a quem está do lado de fora do País, gerando empregos e impostos em outros países. E essa é a verdadeira discussão que nós temos de ter. Não é que nós queremos que o governo taxe. Se houver isenção de impostos, nós queremos que seja para a empresa nacional. Existe o que eu tenho chamado de indignação seletiva. Vemos políticos e outros agentes ficando atordoados com a discussão de “como é que pode ter 90% de imposto, 60% de imposto de importação, mais 17% de ICMS, que por dentro vale em torno de 90%”. Como é que você pode ter 90% de imposto para a população pobre? Falam como se nós já não tivéssemos esse imposto. Então, isso é o que eu chamo de indignação seletiva. Não pode quando é de uma plataforma estrangeira, mas pode quando é uma plataforma que gera emprego no Brasil – isso não faz o menor sentido.
Quando a classe média-alta viaja ao exterior, existe uma isenção de impostos para compras. Há discussões sobre isso também?
Esse é um grande mote que se utiliza. Por que o pobre não pode ter US$ 50 de isenção? Bom, de fato esses US$ 1.500 (para quem viaja ao exterior) são próprios de isenção justamente para quem menos precisa, que é a classe média-alta e o mais rico, algo que prejudica o varejo. Só que como você necessita fazer uma viagem para ter essa isenção, o efeito disso é estimado em mais ou menos R$ 2 bilhões ou R$ 3 bilhões, em relação aos R$ 30 bilhões só no ano de 2023 (com a isenção das compras até US$ 50). É um problema de natureza grave, só que de tamanho muito menor, que também deveria ser corrigido. Por outro lado, poderia inclusive ser estendido para toda a população essa isenção. Mas a diferença é que o rico teria de viajar para o exterior para conseguir isenção, só que o pobre não tem dinheiro para fazer essa viagem.
Além do aspecto tributário, quais são os outros riscos da compra de produtos internacionais?
Há a absoluta falta de proteção que o consumidor brasileiro tem quando compra qualquer produto dessas plataformas. Em uma varejista ou uma indústria nacional, a empresa está sujeita a toda sorte de regulamentos e todos os órgãos que estão corretos ao protegerem o consumidor. Só que esse consumidor não deixa de ser brasileiro quando compra de uma plataforma estrangeira. Mas os órgãos não fazem nada no caso das compras internacionais, não podem fazer nada. A gente vai esperar uma criança morrer comprando um produto internacional ou uma pessoa ter um problema sério? Quem vai ser o responsável?
Nesse caso, a plataforma não teria essa responsabilidade?
Zero. Elas mesmas admitem que são plataformas intermediadoras de anúncios e não são responsáveis pelo que é comercializado. O responsável é o vendedor. Mas vamos lembrar que, em 2022, 16 milhões de pacotes foram enviados por um vendedor chamado Jack Chan. Podem me chamar de exagerado, dizer que estou dramatizando o negócio por achar que alguém vai morrer ou alguém vai ter um problema grave com essas compras. Se eu estiver errado, então quem está errado também são todos os órgãos que disciplinam o consumo no Brasil. Por que as empresas nacionais têm de cumprir todas as regras se não é perigoso o negócio? Ou é perigoso ou não é. Essas plataformas zombaram dos brasileiros e da Receita Federal.
O programa Remessa Conforme não resolve esse tipo de problema? Por quê?
Em 21 de fevereiro deste ano, pela portaria 149, houve alterações no Remessa Conforme que quase ninguém percebeu. Entre elas, mudou uma coisa gravíssima que dizia que as empresas precisavam ter documentos comprobatórios sobre a sua regularidade no programa Remessa Conforme. Isso mudou para que as empresas façam uma autodeclaração de que seguem os conceitos do Remessa Conforme. Detalhe: não há penalidade se a empresa não seguir. Basta que ela se autodeclare e, se ela não seguir, não acontece nada. É a mesma coisa que não ter nada.
O que acontece no Brasil em relação às compras internacionais também acontece em outros países?
O Brasil tem feito uma coisa que não tem precedentes no mundo. Aqui, se vende qualquer produto sem nenhum controle para o consumidor brasileiro. Eu estive na China recentemente e perguntei como seria se eu quisesse vender na China, para entender como funcionava. Me explicaram que tem um departamento de comércio que você precisa colocar todos os produtos que você deseja vender na China e eles vão verificar se os produtos estão aptos a serem consumidos pelo consumidor, pelo cidadão chinês. Se estiverem, você pode comercializá-los em todo o país.
O que o IDV tem feito diante dessa situação?
No IDV, nós contratamos um escritório e uma perícia que comprou produtos dos sites chineses. Compramos uma ‘pomada para a cura do câncer’, um anticoncepcional e produtos para o cabelo que usam formol e todo o absurdo de produtos que você possa imaginar. Foi comprado, devidamente identificado, periciado e fizemos um trabalho robusto que foi entregue na mão da Procuradoria Geral da República para que isso não fique dessa forma. O que está acontecendo é um descaso com o emprego, é um descaso com os varejos de todos os portes, mas sobretudo os pequenos e os médios, que são os que mais vão sofrer. Eles não vão ter alternativa. As grandes redes varejistas ainda têm alternativa, como alguns já estão fazendo.
Qual é essa alternativa?
Criar um centro de distribuição do lado de fora do Brasil. As empresas vão começar a mandar produtos sem impostos para o Brasil. Fazendo isso, a empresa vai entrar num jogo da competição destruindo o País, destruindo o emprego e gerando emprego na China ou no Paraguai ou onde quer que seja. Isso destrói o emprego e empresas de todos os tamanhos, especialmente as menores. A segurança do consumidor, que foi conquistada com o Código de Defesa do Consumidor, também é destruída. Isso está sendo jogado na lata de lixo quando você permite que essas plataformas não precisem fazer qualquer tipo de cadastro prévio dos produtos que estão vendendo aqui.
Muitas plataformas que vendem produtos internacionais são de origem estrangeira e alegam que a maioria das mercadorias vendidas são de vendedores brasileiros. A discussão hoje em pauta é apenas sobre os produtos internacionais ou também abrange a origem das plataformas?
Uma plataforma como a Shopee, que alega que quase tudo que ela vende é de vendedores brasileiros, tem de brigar para ter a taxação de quem está fora para proteger o vendedor nacional. O Mercado Livre está preocupado com a saúde da pequena e média empresa que vende na sua plataforma. Embora ele tenha a venda internacional, defende a taxação. A empresa está junto com a gente nessa luta. Nessa luta, não estão só as entidades de varejo e indústria, mas também a CUT, a Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores. Todas essas centrais sindicais estão do nosso lado, porque estão enxergando que o emprego está em risco. É uma coisa tão grave o que está acontecendo, que a gente está falando do futuro do Brasil.
O elevado número de grandes empresas de varejo pedindo recuperação judicial ou extrajudicial tem relação com as vendas internacionais sem impostos?
Seria equivocado e leviano correlacionar isso a uma coisa ou outra simplesmente. Eu não faria isso porque nem tenho propriedade para fazê-lo. O ambiente de varejo está extremamente prejudicado por uma série de fatores. Esse é um fator que prejudica o varejo. Mas tem outros. Juros altos prejudicam o varejo, a correção da dedutibilidade do Imposto de Renda no salário das pessoas, que vai depenando bilhões a mais para os cofres da receita e tirando o poder de compra dos trabalhadores, tira o vigor do varejo. Então, o varejo tem um conjunto de situações que está tornando, talvez, de todo o período que eu acompanho o varejo, o período mais hostil para quem é varejista no Brasil. Na medida que o consumidor vai vendo que vai comprar, que vai receber, que não vai ter nenhum plano com a Receita Federal, o consumo vai explodir, porque é natural. Se eu posso comprar uma coisa sem imposto, por que eu vou comprar dentro do Brasil com imposto? Não faz sentido nenhum.
Como solucionar a questão do aumento de preços que a taxação de compras internacionais trará ao consumidor, especialmente, o de baixa renda?
Tem várias formas de o governo resolver isso. Pode, por exemplo, destinar 100% da arrecadação desse imposto de importação, que hoje é zero, para um programa social ou criar um cashback para todo o varejo. Faz o cashback e devolve isso para o contribuinte, ou devolve só para o contribuinte com renda de até dois salários mínimos. Se você quer fazer um programa social, você faz. Agora, o que não dá é para fazer um benefício para a população destruindo o varejo do emprego.
Quais categorias de produto podem ser as mais beneficiadas no Brasil com essa taxação? Há influência da taxação para o negócio da Petz?
Para a Petz, tudo isso é muito marginal. Há um pouco de acessórios, caminhas, brinquedos sendo comprados do exterior, mas, para nós, isso é marginal. A minha luta é muito mais em função de um varejo forte. Luto pelo varejo como um todo, até porque a Petz é muito mais afetada pelo desemprego potencial que isso geraria do que pela competição direta. O nosso problema é pensar em Brasil e pensar o quanto você está destruindo o País. Quanto à categoria que seria mais beneficiada, a mais atingida foi a de vestuário. Mas ninguém se ilude no varejo. Ela foi simplesmente a primeira a ser atingida. Outras serão atingidas e de uma maneira rápida se a gente não corrigir esse verdadeiro escândalo nacional. Por não corrigir isso, a gente está fadado a ter problemas muito mais sérios.
A reforma tributária poderia resolver o problema da competição do varejo nacional com vendedores do exterior?
A reforma tributária pode deixar tudo igual para nacionais e internacionais. Mas, se tudo correr bem, isso será daqui a uns 10 anos. Até lá, não teremos mais empresas para se beneficiar disso.
Entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 23/5/2024
Foto: Sergio Zimerman – Reprodução/Instagram