Vendas do varejo crescem 0,6% após duas quedas seguidas, diz IBGE
Apesar do desempenho, setor enfrenta dificuldades com o recrudescimento da pandemia, alto desemprego e fim da primeira rodada auxílio emergencial
Por Carolina Nalin | O Globo, 13/4/2021
RIO — As vendas do varejo brasileiro cresceram 0,6% em fevereiro após dois meses consecutivos de queda, segundo dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE divulgados nesta terça-feira. A alta, porém, não é capaz de compensar o recuo de 6,3% acumulado desde dezembro de 2020 com o fim do auxílio emergencial.
O resultado de fevereiro veio em linha com o esperado pelo mercado. Os especialistas ouvidos pela Reuters previam alta de 0,6% no mês. Em 12 meses, o setor ainda acumula alta de 0,4%.
O gerente da pesquisa, Cristiano Santos, explica que a volta às aulas gerou aquecimento nas vendas. Por isso, o segmento de livros, jornais, revistas e papelaria registrou o maior crescimento frente a janeiro, com alta de 15,4%.
— Janeiro é um mês de contas extraordinárias, como IPTU e IPVA, então é comum um consumo menor no comércio. Já em fevereiro, temos a volta do orçamento mensal das famílias a uma maior normalidade e o retorno dos alunos às escolas, aquecendo as compras de material escolar.
E acrescentou:
— Assim, mesmo com o cancelamento do carnaval, que impacta, por exemplo, em menores vendas de bebidas alcoólicas nos supermercados, tivemos uma variação positiva esse mês.
4 das 8 atividades com taxas positivas
Das oito atividades pesquisadas, quatro tiveram taxas positivas. Além de livros, jornais, revistas e papelaria, outros segmentos como atividades de móveis e eletrodomésticos (9,3%), tecidos, vestuário e calçados (7,8%) e hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (0,8%) contribuíram positivamente para o desempenho do setor.
Já no terreno negativo estão os combustíveis e lubrificantes (-0,4%), artigos farmacêuticos (-0,2%), equipamentos e materiais para escritório (-0,4%), e outros artigos de uso pessoal e doméstico (-0,5%).
Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, lembra que cinco atividades registraram alta na comparação com fevereiro de 2020: produtos farmacêuticos e de perfumaria, outros artigos de higiene e de uso pessoal, supermercados, materiais de construção e móveis e eletrodomésticos.
Ele afirma que os segmentos do varejo mais sensíveis à renda, em comparação com os mais sensíveis ao crédito, vem performando acima por conta das medidas que o governo adotou ano passado:
— Algumas segmentos mantém tendência de crescimento e são mais resilientes, até pela própria dinâmica da pandemia. Tem também a questão da própria natureza dos produtos desses agrupamentos e o acesso a lojas físicas de alguns segmentos (durante períodos de fechamento do comércio não essencial).
No comércio varejista ampliado, que inclui as atividades de veículos, motos, partes e peças e de material de construção, as vendas tiveram crescimento de 4,1%, também após dois meses de queda. A alta foi puxada pelas vendas de veículos, motos, partes e peças (8,8%) e material de construção (2,0%).
Santos explica que o resultado das vendas de veículos pode ser considerado um reajuste ou reposicionamento, já que o segmento se recupera mais lentamente:
— As pessoas não voltam a consumir produtos dessa natureza com tanta rapidez como outros. Algumas oportunidades de preços em queda podem ter contribuído para que esse valor de fevereiro venha um pouco acima, mas (a venda de veículos) ainda está 2% distante do nível pré-pandemia, enquanto material de construção está 20,8% acima do nível pré-pandemia.
Piora da pandemia e inflação
Apesar do desempenho positivo, o resultado de fevereiro sinaliza a dificuldade que o varejo enfrenta neste início de ano. O recrudescimento da pandemia e as restrições impostas à mobilidade, além do alto desemprego e fim da primeira rodada do auxílio emergencial, indicam perda de fôlego do setor.
Além desses fatores, o aumento de preços tem pressionado a taxa inflacionária, o que afeta o consumo das famílias. Segundo última pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central, a projeção do mercado para a inflação de 2021 subiu de 4,81% para 4,85%.
A expectativa dos analistas é que o mês de março apresente um recuo em relação à fevereiro, diante do aumento de casos de Covid-19 e da ausência de novas medidas de socorro emergencial do governo.
Margato, economista da XP, avalia que o resultado de fevereiro do varejo pode ser considerado mais um rebote estatístico do que reversão de tendência. A corretora prevê em março uma queda de 10,2% do varejo ampliado e um recuo de 6,3 no varejo restrito:
— Os dados de fevereiro surpreenderam positivamente, mas não alteram nossa avaliação mais geral de que o consumo das famílias vem desacelerando desde o final de 2020. Além da massa de renda disponível menor por conta das menores transferências do governo, há a inflação ainda pressionada no curto prazo e a piora da confiança do consumidor, à medida em que a pandemia mostra um recrudescimento.
Tiago Tristão, economista da Genial Investimentos, corrobora com a análise de contração do varejo em março e abril por conta das restrições à mobilidade impostas pela pandemia.
— Esse é o período mais crítico da pandemia. Por mais que não haja um reflexo de magnitude igual ao que tivemos ano passado (na atividade), comércio e serviços vão sofrer muito. Até meados de maio, a gente corre o risco de ficar nesse vaivém por conta da pandemia, que pode exigir novos fechamentos.
Tanto Margato quanto Tristão avaliam que, com o avanço da vacinação, a retomada do mercado mercado de trabalho, sobretudo informal, ajudará o varejo a se manter no terreno positivo na segunda metade do ano:
— O varejo nesse primeiro semestre vai andar de lado, o crescimento de 2% a 3% (previsto para o setor, no ano) vai ficar para o segundo semestre.