Para especialistas, redução de salários da MP 936 ajuda a preservar empregos, mas terá alto custo

Para especialistas, redução de salários da MP 936 ajuda a preservar empregos, mas terá alto custo

SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA – A medida provisória (MP) 936, que autoriza empregadores a reduzirem salários e jornada de trabalho durante a pandemia do coronavírus, deve atingir, segundo especialistas, seu principal objetivo: preservar empregos em meio à pandemia.

Mas, para que as empresas respirem mais aliviadas, outras ações precisam acompanhar a ação. Para o trabalhador, não será fácil: simulações mostram que, mesmo com a compensação do governo, para quem ganha acima de R$ 10 mil a queda pode chegar a 57,31%.

Ainda assim, economistas, empresários e entidades setoriais ouvidos pelo GLOBO ressaltam que, ao garantir parte da renda dos trabalhadores, a MP 936 ajudará a evitar uma paralisação ainda maior da economia.

— A MP demorou um pouco, mas veio com magnitude e grande alcance. Era isso o que o governo precisava mostrar: que está disposto a sustentar a empresa e o trabalhador — diz o professor sênior da Faculdade de Economia da USP, Hélio Zylberstein, especialista em mercado de trabalho.

Thiago Xavier, economista da consultoria Tendências, defende que o governo coloque em funcionamento, rapidamente, ações como crédito às empresas e adiamento do pagamento de impostos, medidas também defendidas pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.

A possibilidade de reduzir os salários em até 70% terá impacto relevante sobre a renda do trabalhador. Como a compensação será calculada de acordo com o seguro-desemprego — que é limitado a R$ 1.813,03 — quem recebe R$ 10 mil por mês, por exemplo, poderá ver esse valor ser diminuído em 57,31% se a empresa em que trabalha negociar a redução temporária pelo teto fixado na MP, 70%.

Para quem ganha R$ 2 mil, a redução máxima chega a 18,20%.

Pela medida, se o corte for de 25%, o trabalhador receberá 25% do valor do seu seguro-desemprego. Se for de 50%, receberá metade do seguro. E se for de 70%, terá direito a 70% do seguro. Atualmente, o seguro-desemprego tem três faixas. Se a média dos três últimos salários for até R$ 1.599,61, o trabalhador receberá 80% dessa média.

‘Ferro e fogo’

Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, considera positivo o fato de a medida não ter feito diferenciação pelo porte das companhias:

— Ela está fazendo o corte pelos salários.

O empresário Marco Stefanini, presidente da multinacional que leva seu sobrenome, só deve aderir às regras da MP se a crise ultrapassar os próximos dois meses. A Stefanini atua em tecnologia e tem 25 mil funcionários em 41 países.

Rodrigo Vilaça, presidente da Itapemirim, conta com a MP para evitar a demissão de motoristas e outros funcionários. Mais de 60% dos 1.098 trabalhadores da empresa terão redução de jornada . Outros 30% devem entrar em férias. A Itapemirim, que está em recuperação judicial, viu as receitas caírem a zero quando o Estado do Rio de fechou as fronteiras.

— Vamos fazer uso de todas as ferramentas disponíveis para evitar as demissões — diz Vilaça.

Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, associação que reúne bares e restaurantes de todo o país, acredita que a MP evitará demissões em massa em um setor que emprega 6 milhões de pessoas. Ainda assim, cerca de 350 mil devem perder seus empregos:

— Sem a medida, a estimativa seria de 1 milhão de demissões só em abril.

Advogados especialistas em mercado de trabalho também consideraram a MP acertada. Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do escritório Machado Meyer, ressalta que a negociação individual permite mais rapidez.

Para Fernando Abdala, sócio do Abdala Advogados, por vincular a mudança salarial à diminuição da jornada, a MP não fere o artigo da Constituição que proíbe a redução salarial:

— Já há um entendimento, entre juízes trabalhistas, de que o texto da Constituição não tem como ser levado a ferro e fogo em meio a uma crise dessa gravidade.

Já Mônica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, pondera que quem tiver redução salarial pode acabar buscando um trabalho extra e se expondo ao risco de contaminação.

CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB defendem a inclusão dos sindicatos em todas as negociações e pedem que os trabalhadores não aceitem acordos individuais.

A base de cálculo para o FGTS será a do salário reduzido, sem o acréscimo do seguro-desemprego. O trabalhador não poderá sacar o Fundo.

André Pessoa, sócio do escritório Pessoa & Pessoa Advogados, avalia que o período especial contará como tempo de serviço, seja para fins de FGTS, férias, 13º ou contribuição previdenciária.

Uso de aplicativo

As empresas que já reduziram jornada e salário de seus funcionários poderão se beneficiar da MP. Segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, esses empregadores têm dez dias, a contar da publicação da MP, para adequar e enviar os acordos para o governo.

Os termos dos acordos já realizados e novos poderão ser encaminhados pelo site e aplicativo Empregador Web. Será preciso informar o número das contas para que o valor seja pago diretamente ao trabalhador.

Perguntas e respostas sobre a MP 936

Quais são os pontos principais da MP 936?

A autorização para que empregadores reduzam salários e jornadas de funcionários, a fim de evitar demissões. Também poderá haver suspensão temporária do contrato de trabalho. Nos dois casos, o governo compensará parte das perdas.

A regra se aplica a empregados domésticos?

Sim.

E no caso do trabalhador intermitente?

Também. Caso ele tenha mais de um empregador, receberá a compensação de cada um que reduzir a jornada. E ainda terá direito ao auxílio de R$ 600 para informais.

Quais os percentuais de cortes salariais?

Há três faixas, com redução proporcional da jornada: 25%, 50% e 70%. Cortes diferentes, só por acordo coletivo.

Por quanto tempo o empregado pode ficar com salário reduzido?

Por no máximo 90 dias.

Como funcionará a suspensão de contrato?

A empresa deixa de pagar o salário do empregado, que fica dispensado do trabalho. Ou seja, é uma redução de 100% do salário. A suspensão pode ser de até dois meses. Mas o trabalhador terá direito a todos os benefícios, como plano de saúde.

Como o governo vai compensar as perdas de quem for afetado?

A reposição do governo será calculada sobre o seguro-desemprego a que o empregado teria direito caso fosse demitido. O valor total pago no mês não pode ser inferior ao salário mínimo (R$ 1.045). No caso da redução de jornada, será proporcional ao corte de salário.

O repasse do governo conseguirá repor todo o salário?

Não necessariamente. O valor do seguro-desemprego não é idêntico ao salário que o empregado recebe na ativa. O benefício varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03 e é calculado por uma fórmula.

Como será a negociação?

Quando o corte for de 25%, a mudança poderá ser feita por acordo individual, qualquer que seja o salário. Nos cortes de 50% e 70% e na suspensão de contrato, o acordo individual é restrito a quem ganha menos de R$ 3.135 ou mais de R$ 12.202,12. Para os demais, é preciso acordo ou convenção coletiva, com participação do sindicato.

As empresas podem pagar uma compensação extra?

Sim. Neste caso, terá caráter indenizatório, ou seja, não incidem contribuições à Previdência e ao FGTS.

Finda a suspensão ou redução, o empregado pode ser demitido?

Não imediatamente. A MP prevê um período de estabilidade.