O que muda para o varejo com a chegada do sistema de pagamentos via WhatsApp

O que muda para o varejo com a chegada do sistema de pagamentos via WhatsApp

Por Caio Camargo – 17 de junho de 2020 | Mercado & Consumo

A notícia pegou o mundo todo de surpresa. Depois de anos de testes e rumores de que se iniciaria pela Índia (falei disso em abril do ano passado), o Facebook decidiu iniciar pelo Brasil o sistema de pagamentos via WhatsApp usando o sistema do Facebook Pay, em uma parceria que inicialmente permitirá que correntistas do Banco do Brasil, Nubank, Sicredi e Woop (conta digital da Sicredi) comecem a utilizar imediatamente o novo meio para pagamentos digitais.

Mas o que muda na vida do varejo e do varejista?

O grande parâmetro até então tinha sido o sucesso dos aplicativos chineses como WeChat e AliPay, que mesmo que tivessem inicialmente mais funções simples, como uma rede social ou um meio de pagamento digital, revolucionaram o mercado evoluindo para muito além de suas pretensões iniciais, não somente reforçando sua presença, como se tornaram praticamente indispensáveis no cotidiano das pessoas.

No Brasil, a grande questão, até agora, era sobre quem poderia alcançar primeiro o posto de superaplicativo no coração (e no bolso) dos consumidores, um objetivo almejado por praticamente todos os varejistas presentes digitalmente no mercado, e amplamente anunciado por players como Magazine Luiza, Pão de Açúcar, Americanas e Mercado Livre, por exemplo.

Dentro do objetivo de se tornar importante e talvez imprescindível, havia alguns obstáculos a serem ultrapassados nesse mercado, entre eles o desafio do download, o que significava que além de uma vez serem baixados, precisavam se manter relevantes para o usuário, a ponto que esses não se tornassem uma opção “deletável” quando o usuário precisasse “ganhar espaço” de armazenamento em seu aparelho.

O anúncio dessa semana torna a corrida quase que desleal nesse sentido. Sendo presente em cerca de 92% dos celulares hoje ativos no país, e contando com uma base de mais de 120 milhões de usuários ativos, o aplicativo hoje é uma das principais ferramentas de comunicação utilizadas pelo mercado, e uma das ferramentas que mais tem sido utilizadas para que varejistas reencontrem o caminho das vendas em meio à crise. É muito difícil encontrar alguém que considere deletar o WhatsApp de seu telefone hoje.

Não se faz necessário uma campanha de “adoção” do modelo, bastando apenas com que as pessoas façam seu cadastro e comecem a utilizar o novo meio de pagamento.

E é nesse ponto que podemos ter ou não um momento “disruptivo” no mercado.

Como já tratei em outros artigos, o grande problema no avanço do digital no país está na questão do volume que temos de população não bancarizada (nesse artigo), população que também seria uma das mais beneficiadas com esse novo modelo de pagamento e transação financeira.

É importante dizer que em tudo o que foi dito e pensado e até mesmo nos alvos que foi buscado (India, durante a fase beta, e agora no Brasil), foi pensado no modelo de pequenas transações cotidianas, fortemente ligado à trocas entre pessoas físicas, ou no mercado de varejo e serviços mais informal.

No modelo anunciado, na “troca” de dinheiro entre pessoas físicas, não há qualquer tipo de taxa sendo cobrada, porém, a empresa estipula alguns limites, como transações que não ultrapassem R$ 1.000 (mil reais), o limite máximo de 20 transações por dia e o teto mensal de R$ 5.000 em transações em um mês. Pensando em pequenas trocas e transações informais, e na população que é seu alvo, são limites mais do que suficientes para uma adoção e expansão desse modelo.

Porém, o desafio no curto espaço de tempo, é entender como essa população desbancarizada poderia ter acesso ao sistema. Embora haja grandes iniciativas nesse sentido, como as carteiras digitais que vem sendo oferecidas por alguns players de varejo (falei disso nesse artigo), e até mesmo recurso assistencial que vem sendo disponibilizado em meio a crise pudesse se tornar uma alternativa de crédito digital, ainda há muito a ser feito para conseguirmos introduzir essa população no mercado digital.

Um outro ponto importante é o acesso quando necessário a esse sistema, o que pode mudar até mesmo a maneira como pensamos no wi-fi da loja. Entendendo que também o acesso à Internet de qualidade é restrito nessa faixa de mercado, oferecer wi-fi na loja, para o processamento de compras e pagamentos, passa a ser menos uma questão de serviço, e muito mais uma questão essencial para os negócios. Não ter sinal de wi-fi possa talvez inviabilizar uma compra.

Mesmo que se leve tempo para introduzir uma parcela maior da população nesse mercado, ou mesmo que não haja ainda tanta infraestrutura disponível para um acesso à internet de qualidade, isso não minimizará os impactos que o novo modelo trará ao mercado. Uma vez que ele será facilmente disseminado, e terá um uso cada vez maior, haverá uma pressão para que o varejo, mesmo o pulverizado, rapidamente se adeque a aceitar a nova modalidade de pagamento, com uma taxa de 3,99%, como anunciado.

É bem possível que o movimento de adoção aconteça tanto de cima para baixo, começando com a classe alta/média e com varejistas de grande porte, mas que ao mesmo tempo, também tenha um interessante movimento de baixo para cima, com a população mais carente e com o varejo mais pulverizado, mas ousaria dizer que o grande volume financeiro tenderá a se fortalecer e crescer mesmo na base da pirâmide.

Finalmente, o que é possível sintetizar sobre tudo isso é que se um dos saldos positivos de todo o contexto que vivemos já pensando em um cenário pós-pandemia seria o de uma população digitalmente mais ativa, a notícia desse lançamento não só corrobora a importância desse momento para o mercado digital, como reforça a urgência das empresas em adotarem estratégias e ações que reforcem sua atuação nesse campo.

Grande abraço, e qualquer coisa, manda um zap!