Especial: decisão sobre Difal do ICMS não impacta caixa de varejistas, mas pode afetar lucro
Por Marcela Villar
São Paulo, 05/12/2023 – Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que empresas devem pagar o diferencial de alíquota (Difal) de ICMS desde abril de 2022 e não a partir de 2023. Estados estimam arrecadação de R$ 10 bilhões, mas esse impacto não deve afetar o caixa das principais varejistas listadas, pois a maioria já depositava em juízo o montante caso perdesse a causa na Justiça, apurou o Broadcast, após conversas com advogados, analistas, empresas e associações do setor.
O pagamento do imposto, que já atingia a margem bruta, pode impactar o lucro líquido das companhias nos balanços dos próximos trimestres. Como ainda cabe recurso, é possível que os valores ainda não sejam incluídos como despesa já no resultado do quarto trimestre, mas apenas no ano que vem.
No caso da Lojas Renner, a empresa disse que a sentença deve impactar em R$ 60 milhões o lucro líquido. A companhia diz ainda avaliar alternativas com advogados e aguarda a publicação do acórdão. Também disse que não provisionou valores em 2022 e que, como fez depósitos em juízo, não haverá efeito negativo no caixa. Nos resultados do último trimestre, a Renner já havia mencionado que a margem bruta foi impactada negativamente em 0,5p.p. [ponto porcentual] por conta do Difal.
Outra empresa afetada pelo julgamento é o Magazine Luiza, que depositou na Justiça quase R$ 1 bilhão em relação ao tema, como consta no último documento das Informações Trimestrais (ITR). Procurada, o Magalu não quis comentar ou dar detalhes sobre quanto do montante deve ser provisionado.
Segundo relatório do Citi, divulgado na última semana, o impacto deve ser “marginal” para o Magalu, Mercado Livre e Casas Bahia, que têm maior exposição ao varejo online. O banco disse que o Mercado Livre tem US$ 29 milhões (equivalente a cerca de R$ 142 milhões) em depósitos relacionados a esta discussão.
Já o Grupo Soma teria R$ 36,5 milhões em depósitos tributários – nem tudo relacionado ao Difal – e a Arezzo R$ 18,7 milhões, ainda segundo o relatório do Citi. A Arezzo foi procurada, mas não enviou resposta. Já o Grupo Soma não especificou o montante. A Casas Bahia e a C&A já pagavam os impostos desde 2022, por isso, não sofrerão os efeitos da sentença, segundo o banco.
A decisão do STF
Em um julgamento acirrado, por seis votos a cinco, o STF decidiu que o Difal de ICMS deve respeitar apenas a anterioridade nonagesimal (cobrança válida 90 dias após publicação da lei) e não a anterioridade anual (cobrança no ano fiscal seguinte). Isso faz com que os contribuintes que não pagaram o imposto em 2022, até aqueles que obtiveram liminar favorável, terão de fazer o pagamento retroativo.
O Difal do ICMS incide sobre operações interestaduais cujo destinatário é um consumidor final, pessoa física. O valor é calculado a partir da diferença entre as alíquotas de ICMS do Estado de destino do produto e de origem da empresa, a fim de equilibrar a arrecadação entre os Estados. As principais afetadas são empresas de e-commerce.
Impacto setorial
O Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), que atua como amicus curiae (“amigo da corte”, como interessado na causa) em um dos processos, discorda do decidido pelo STF. “É preocupante a decisão formada pela maioria dos magistrados da Suprema Corte, que não acatou o que foi fixado pelo Poder Legislativo”, afirmou, em nota enviada ao Broadcast. A entidade disse que o setor deve entrar com recurso.
Já a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) disse que a venda interestadual para o consumidor final é pouco representativa para os supermercados e, por isso, o impacto no setor deve ser “inexpressivo”. “Tratando-se de assunto jurídico-tributário, cada empresa definirá a melhor forma de como proceder sobre o assunto”, afirmou o vice-presidente da Abras, Márcio Milan.
Especialistas
Segundo o tributarista André Menon, sócio do escritório Machado Meyer, a ação chegou ao STF porque a lei complementar que regulamentou o tema é de janeiro de 2022. Mesmo com a indicação em seu texto de que o tributo respeitaria o prazo de 90 dias para ser cobrado, existe a previsão constitucional deste prazo ser anual.
“A Constituição diz que se uma lei institui um novo tributo, ele só pode ser cobrado no exercício financeiro seguinte, ou seja, em janeiro de 2023. Só que a Fazenda e a maioria do STF entenderam que não, porque já existia a previsão de cobrança do Difal desde 2021”, afirma Menon.
Para a advogada Lisandra Pacheco, sócia do TozziniFreire Advogados, é possível discutir nos embargos de declaração motivo da anterioridade nonagesimal e anual não terem sido aplicadas em conjunto. “A análise do julgamento foi recortada de forma conveniente e como melhor atendia as entidades governamentais, algo prejudicial para a segurança jurídica”, disse.
O advogado Diego Caldas, sócio tributário do escritório Pinheiro Neto, explica que a decisão tem impacto principalmente para as companhias que vendem em ambiente digital para consumidor final que está em outro Estado, mas que é preciso analisar caso a caso. “Se não pagou o tributo ou não estava sustentando judicialmente, isso pode representar um contingente para as empresas de abril a dezembro de 2022”, conclui.
Procuradas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex) disseram não ter mapeado o impacto para os associados.
Fonte: Agência Estado, 5/12/2023